Este blog foi criado para fornecer as atualizações da obra Direito Sumular STF & STJ, que são periodicamente elaboradas pela autora na forma de artigos jurídicos publicados em diversas revistas e periódicos. Disponibilizaremos também outros trabalhos acadêmicos da autora, bem como matérias, notas e notícias.

Do Prefácio - Ministro Luiz Fux
Ministro do Supremo Tribunal Federal
Professor Titular de Direito Processual da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)



quarta-feira, 8 de abril de 2015

ATUALIZAÇÃO N. 8: Superação das Súmulas 418 do STJ e 434, I, do TST

Influxos do Novo CPC: A queda da tese da extemporaneidade do recurso prematuro

Resumo: Durante anos, os tribunais superiores consideraram que o recurso interposto antes da publicação da decisão impugnada seria prematuro e, portanto, inadmissível. Trata-se da chamada tese da extemporaneidade do recurso prematuro - isto é, do recurso interposto antes da publicação do acórdão recorrido. Nessa linha, foram criadas as Súmulas 418 do STJ e 434, I, do TST. Porém, em março de 2015, sob o influxo das ideias trazidas pelo Novo CPC, o Plenário do STF mudou sua jurisprudêcia, passando a admitir a interposição de embargos declaratórios oferecidos antes da publicação do acórdão embargado, independentemente de posterior ratificação. Nosso artigo tem por meta examinar os fundamentos que deram origem à criação da tese da extemporaneidade do recurso prematuro, bem como os argumentos que justificaram sua queda e consequente guinada evolutiva na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

Sumário: 1. A Súmula 418 do STJ: A tese da extemporaneidade do recurso prematuro. 2. A Súmula 434 do TST: A tese da extemporaneidade do recurso prematuro. 3. A tese da extemporaneidade do recurso prematuro no âmbito do STF. 4. Críticas doutrinárias à tese da extemporaneidade do recurso prematuro. 5. Os influxos do Novo CPC e a mudança de entendimento do STF no AI 703269. Conclusão. Referências. Notas.

1. A Súmula 418 do STJ: A tese da extemporaneidade do recurso prematuro

Chama-se “recurso prematuro” o recurso interposto antes da publicação da decisão recorrida. Isso ocorre na seguinte situação: a parte, antes mesmo de ser intimada da decisão, toma ciência do resultado do julgamento já proclamado e, então, se antecipa, interpondo o recurso.

De acordo com a jurisprudência fixada na Súmula 418 do STJ, se o Recurso Especial é interposto antes da publicação do acórdão dos Embargos de Declaração, será preciso que seja ratificado após a publicação do acórdão recorrido, caso contrário será considerado um recurso prematuro e, portanto, intempestivo. Trata-se da tese da extemporaneidade do recurso prematuro.

Confira a redação do mencionado enunciado sumular:

  • Súmula 418/STJ: É inadmissível o recurso especial interposto antes da publicação do acórdão dos embargos de declaração, sem posterior ratificação.

Vale dizer: a Súmula em comento afirma a intempestividade do recurso especial interposto antes do julgamento de embargos declaratórios sem que, depois, tenha sido o recurso reiterado ou ratificado.

A título de exemplificação, vale a pena rememorar o julgamento do AgRg no Ag 479830[1], pela 3ª Turma do STJ, em que discutia pedido de indenização. Neste caso, a ação foi julgada improcedente e a autora apelou. Após a Justiça paulista negar, por maioria, provimento à apelação, a autora ajuizou embargos infringentes, que foram rejeitados. Então, foram interpostos embargos de declaração, também rejeitados, publicado o Acórdão em 15/04/02. Em 04/02/02, a recorrente interpôs Recurso Especial.

Observe-se que, neste caso, a parte autora interpôs esse Recurso Especial antes da publicação do acórdão rejeitando os embargos de declaração. A 3ª Turma então decidiu que “não pode ser conhecido o recurso interposto anteriormente à publicação do Acórdão recorrido, salvo se houver pedido de renovação do recurso após a publicação, o que não ocorreu no caso presente”.

É preciso destacar que a Súmula 418 do STJ, criada em março de 2010, passou a ser aplicada também para outros recursos, por analogia. Confira:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. APELAÇÃO INTERPOSTA ANTES DO JULGAMENTO DOS EMBARGOS DECLARATÓRIOS. AUSÊNCIA DE RATIFICAÇÃO. PREMATURIDADE. SÚMULA N. 418/STJ. INCIDÊNCIA POR ANALOGIA. 1. Apelação interposta antes do julgamento dos embargos declaratórios opostos pela outra parte é considerada prematura se não houver a necessária ratificação posterior. 2. “É inadmissível o recurso especial interposto antes da publicação do acórdão dos embargos de declaração, sem posterior ratificação” (súmula n. 418/STJ). 3. Agravo regimental desprovido.

(...) AGRAVOS REGIMENTAIS NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. REGIMENTAL INTERPOSTO ANTES DO JULGAMENTO DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. NECESSIDADE DE POSTERIOR RATIFICAÇÃO. APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DA SÚMULA 418/STJ. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. LEI N. 1060/50. CRITÉRIOS OBJETIVOS. 1. É intempestivo o agravo regimental interposto antes do julgamento dos embargos de declaração opostos contra decisum monocrático, quando não houver posterior reiteração ou ratificação após a publicação da decisão integrativa. Aplicação, por analogia, da Súmula 418/STJ.

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ACÓRDÃO PROFERIDO NOS TERMOS DOART. 543-C, § 7º, II, DO CPC. FALTA DE RATIFICAÇÃO. NÃO ESGOTAMENTODA INSTÂNCIA ORDINÁRIA.1. “É inadmissível o recurso especial interposto antes da publicação do acórdão dos embargos de declaração, sem posterior ratificação” - Súmula 418/STJ. 2. O Superior Tribunal de Justiça aplica a orientação acima tambémpara outros recursos. Precedentes expressos em relação à Apelação e ao Agravo Regimental.

Cumpre indagar: quais os fundamentos da criação da Súmula 418 do STJ?

Um dos requisito de admissibilidade do recurso extraordinário e especial é o esgotamento das vias ordinárias. Isso porque a Constituição, ao prever as hipóteses de cabimento de tais recursos, determina que serão cabíveis nas “causas decididas em única ou última instância” (art. 102, III e 105, III da CF/88). Ora, para que a decisão recorrível por RE ou REsp seja de última instância, é preciso que tenham sido utilizadas todas as vias recursais nos órgãos inferiores.

O julgamento dos embargos de declaração integra o acórdão recorrido, formando com ele o que se denomina decisão de última instância. Esta, sim, passível de recurso especial e extraordinário, nos termos dos artigos 102, III, e 105, III, da CF/88.

Com base nessa linha de raciocínio, a jurisprudência do STJ se fixou no sentido de que, estando pendente o julgamento dos embargos de declaração, ainda não estaria esgotada a instância ordinária. Por isso, se a parte interpuser o recurso especial antes do julgamento dos embargos de declaração, ele deve ser reiterado ou ratificado no prazo recursal, sob pena de não ser conhecido. [2]

Confome explicou o ilustre Ministro Mauro Campbell Marques: “A razão de ser dessa jurisprudência diz com a falta de esgotamento da via ordinária, de modo a não caracterizar o pressuposto processual constitucional do julgamento de única ou última instância”.[3]

Em outras palavras: o fundamento da edição do verbete 418 do STJ é a necessidade de esgotamento da instância ordinária, de maneira a caracterizar o julgamento de “única ou última instância”, previsto no art. 105, III, da Constituição da República.

2. A Súmula 434 do TST: A tese da extemporaneidade do recurso prematuro

Com o objetivo de reafirmar a tese da extemporaneidade do recurso prematuro - isto é, do recurso interposto antes da publicação do acórdão recorrido -, o Tribunal Superior do Trabalho decidiu converter a Orientação Jurisprudencial n. 357 da SBDI-1 no enunciado n. 434 de sua Súmula de jurisprudência predominante.

Publicada em 2012, a Súmula 434 ganhou a seguinte redação:

  • RECURSO. INTERPOSIÇÃO ANTES DA PUBLICAÇÃO DO ACÓRDÃO IMPUGNADO. EXTEMPORANEIDADE. (Conversão da Orientação Jurisprudencial nº 357 da SBDI-1 e inserção do item II à redação)
    I) É extemporâneo recurso interposto antes de publicado o acórdão impugnado. (ex-OJ nº 357 da SBDI-1 – inserida em 14.03.2008)

    II) A interrupção do prazo recursal em razão da interposição de embargos de declaração pela parte adversa não acarreta qualquer prejuízo àquele que apresentou seu recurso tempestivamente.”

Item I

Nos termos do item I da Súmula n. 434 do TST, é extemporâneo recurso interposto antes de publicado o acórdão impugnado. Esta interpretação está restrita apenas aos recursos interpostos em face de acórdãos de Tribunais, sendo inaplicável, em regra, aos recursos interpostos contra sentenças.[4]

Item II

A teor do item II da Súmula 434 do TST, a interrupção do prazo recursal em razão da interposição de embargos de declaração pela parte adversa não acarreta qualquer prejuízo àquele que apresentou seu recurso tempestivamente.

O item II da Súmula 434 do TST merece elogios pois, de fato, não há razão para que a interrupção do prazo do recurso prejudique a parte que já recorreu. Essa regra, no entanto, não encontrou amparo nos demais tribunais superiores. No STF e no STJ, prevaleceu o entendimento de que, ajuizados os embargos de declaração e interrompido o prazo para outros recursos, a parte contrária que tenha recorrido deverá reiterá-lo, sob pena de seu recurso não ser admitido. Conforme fixado no AREsp: 566807 SP: “é extemporâneo o recurso especial interposto antes da publicação do acórdão dos embargos de declaração, ainda que opostos pela parte contrária, salvo se houver reiteração posterior”.[5]

3. A tese da extemporaneidade do recurso prematuro no âmbito do STF

Durante muito tempo, a jurisprudência do STF foi firme no sentido de que a intempestividade dos recursos tanto pode derivar de impugnações prematuras (que se antecipam à publicação dos acórdãos) quanto decorrer de oposições tardias (que se registram após o decurso dos prazos recursais). Em qualquer das duas situações (impugnação prematura ou tardia) a consequência de ordem processual é uma só: o não conhecimento do recurso, por efeito de sua extemporânea interposição.[6]

Como se percebe, o STF adotou o entendimento de que o recurso protocolado ANTES da publicação da decisão ou acórdão impugnado, sem a ratificação, deve ser considerado prematuro e, portanto, extemporâneo. Trata-se da tese da extemporaneidade do recurso prematuro, também presente na Súmula 418 do STJ e na Súmula 434, I, do TST.

A orientação adotada pelo STF ficou bem explicitada no ARE 660133 RS (DJe 09/12/2011):

“(...) 1. É intempestivo o recurso extraordinário interposto antes de esgotada a jurisdição prestada pelo Tribunal de origem, posto pendente recurso de embargos, revela-se prematuro e, portanto, incabível. Desta sorte, o recurso excepcional deve ser reiterado ou ratificado no prazo recursal, para que referido vício seja sanado. (...)” (Precedentes: (AI 712.079-AgR-ED, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA, 2ª Turma, DJ 28.3.2011; RE 469.338-ED, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, 1ª Turma, DJ 23.11.2010; (RE 476.316-AgR, Rel. Min. ELLEN GRACIE, 2ª Turma, DJ 8.2.2011; RE 346.566-AgR, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, DJ 13.12.2010)

Isso significa que o prazo para interposição do recurso somente pode começar a fluir APÓS a publicação do acórdão que julgar os embargos de declaração.

Conforme destacou o ilustre Ministro Celso Mello:[7]

“Os fundamentos que dão suporte a essa orientação jurisprudencial põem em evidência a circunstância de que a publicação do acórdão gera efeitos processuais específicos, pois, além de formalizar a integração dessa peça essencial ao processo, confere-lhe existência jurídica e fixa-lhe o próprio conteúdo material. É mediante a efetiva ocorrência dessa publicação formal que se viabiliza, processualmente, a intimação das partes, inclusive para efeito de interposição dos recursos pertinentes”.

4. Críticas doutrinárias à tese da extemporaneidade do recurso prematuro

A despeito da tese da da extemporaneidade do recurso prematuro ser amplamente adotada pelos tribunais superiores, abalizada doutrina passou a lhe desferir severas críticas, por considerá-la desacertada e completamente desarrazoada.

Essa corrente passou a sustentar a possibilidade da parte se declarar intimada, antecipando-se ao prazo recursal, independentemente de publicação. Ora, se a parte está recorrendo, então é sinal de que ela se deu por intimada da decisão, o que dispensaria a espera inócua da publicação da decisão para interposição do recurso.

Numa palavra: a tese da extemporaneidade do recurso prematuro é descabida, pois não faz sentido impedir que a parte se antecipe à intimação oficial para interpor seu recurso. Conforme destaca o ilustre processualista Fredie Didier Jr.:

“O prazo para recorrer é, segundo denominação corrente no direito italiano, aceleratório, podendo ser adiantado ou antecipado com a prática do ato antes da intimação, diferentemente do prazo peremptório, como é o da designação de uma audiência, que não tem como ter seu momento antecipado”.

A propósito, elucidativa a lição de Cândido Rangel Dinamarco:

“Aquela interpretação proposta pelo Supremo Tribunal Federal, optando por um caminho extremamente restritivo de direitos e afastando-se também de certos conceitos estabelecidos com segurança na doutrina dos processualistas, deixa de ser justa e peca pela falta de razoabilidade: se o resultado do julgamento já foi proclamado e o acórdão já foi lavrado, assinado, registrado e junto aos autos, por que só posso recorrer amanhã, quando minha intimação pelo jornal já houver sido feita, e não hoje, quando demonstro já estar inteiramente ciente de sua existência, teor e fundamentos? Mais uma vez, el logos de lo razonable poderá contribuir para o aperfeiçoamento da jurisprudência brasileira, se os Srs. Ministros manifestarem disposição a repensar seus próprios precedentes e redirecionar a linha dos julgamentos que vêm adotando”. (In Tempestividade dos recursos. RDDP, nº 16, julho/2004, p. 23).

No entanto, o Supremo Tribunal Federal não acolheu essas críticas. Em resposta a esses argumentos, o STF afirmou que a simples notícia do julgamento, além de não dar início à fluência do prazo recursal, também não legitima a prematura interposição de recurso. Nessa linha, confira:

“(...) O Supremo Tribunal Federal assentou que a simples notícia do julgamento não fixa o termo inicial da contagem do prazo recursal, de modo que o recurso interposto antes da publicação do acórdão recorrido é prematuro, a menos que seja posteriormente ratificado. (...) STF - RE 606376 ED-EDv, Plenário, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 19/11/2014

“(...) A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem advertido que a simples notícia do julgamento, além de não dar início à fluência do prazo recursal, também não legitima a prematura interposição de recurso, por absoluta falta de objeto. (...)” STF – ARE 749342 RS , Rel. Min. Celso de Mello, 2ª Turma, DJe 16/10/2013

5. Os influxos do Novo CPC e a mudança de entendimento do STF no AI 703269

O Plenário do Supremo Tribunal Federal, em março de 2015, no julgamento de embargos de declaração (convertidos em agravo regimental) no Agravo de Instrumento (AI) 703269, modificou a sua jurisprudência. No caso, a Suprema Corte admitiu a interposição de embargos declaratórios oferecidos antes da publicação do acórdão embargado, independentemente de posterior ratificação.[8]

Isso significa que, se a parte tomar conhecimento do teor do acórdão antes de sua publicação e entender que há omissão, contradição ou obscuridade, então poderá embargar imediatamente. Afinal, a jurisprudência não pode punir a parte disposta a superar certo formalismo para ser mais diligente, sem intuito meramente protelatório.

Cumpre destacar que, segundo o Plenário do STF, neste caso, não se trataria de recurso prematuro nem de recurso intempestivo. Conforme assentou a Corte:

“Não se trataria de recurso prematuro, porque o prazo começaria a correr da data de intimação da parte, e a presença do advogado, a manifestar conhecimento do acórdão, supriria a intimação. Assim, se a parte se sentisse preparada para recorrer antecipadamente, poderia fazê-lo. Ademais, esse recurso não poderia ser considerado intempestivo, termo relacionado à prática do ato processual após o decurso do prazo.”

Recorda-se que, ainda no ano de 2005, o Plenário do STF, ao julgar a AO 1133 AgR-AgR DF, concluiu ser possível o recurso antes da intimação quando interposto contra decisão monocrática. Confira:

“(..) É tempestivo, por possuir objeto próprio, o recurso interposto contra decisão já juntada aos autos, ainda que não publicada no Diário de Justiça. Tendo em conta esse entendimento, fixado pela 1ª Turma no AI 497477 AgR/ PR (DJU de 8.10.2004), o Tribunal deu provimento a agravo regimental interposto contra decisão que negara seguimento a outro agravo regimental em ação originária, por considerá-lo intempestivo. (...)” STF - AO 1133 DF , Rel. Min. Carlos Britto, DJ 05/04/2005

Já em 2012, no julgamento do HC 101132 MA, a 1ª Turma do STF se manifestou no sentido de que a preclusão não pode prejudicar a parte que contribui para a celeridade do processo. [9]

Nesta ocasião, o ilustre Ministro Luiz Fux explicou o seguinte:

“As preclusões se destinam a permitir o regular e célere desenvolvimento do feito, por isso que não é possível penalizar a parte que age de boa-fé e contribui para o progresso da marcha processual com o não conhecimento do recurso, arriscando conferir o direito à parte que não faz jus em razão de um purismo formal injustificado.”

Trata-se do influxo das ideias da doutrina moderna, que ressalta o advento da fase instrumentalista do Direito Processual, ante a necessidade de interpretar os seus institutos sempre do modo mais favorável ao acesso à justiça (art. 5º, XXXV, CRFB) e à efetividade dos direitos materiais.[10]

Vale ainda lembrar que o ilustre Ministro Marco Aurélio já afastava a tese da intempestividade do recurso interposto antes da publicação da decisão no veículo oficial. Em suas palavras:

“Geralmente o brasileiro deixa para a undécima hora a prática do ato, mas há aqueles que se antecipam. Se antecipam na interposição de recurso, inclusive em relação ao prazo recursal. Chegam ao protocolo da Corte e interpõem o recurso que tem objeto, que é o acórdão, antes de detonado o prazo inicial desse prazo. Entendo que esse ato é válido”.

Por fim, cumpre registrar que a nova orientação do Supremo Tribunal Federal é reforçada pelo Novo CPC, que no art. 1.024, § 5º estabeleceu o seguinte :

  • NCPC. Art. 1.024 (...) § 5º Se os embargos de declaração forem rejeitados ou não alterarem a conclusão do julgamento anterior, o recurso interposto pela outra parte antes da publicação do julgamento dos embargos de declaração será processado e julgado independentemente de ratificação.

Esta nova orientação se fundamenta na terceira fase terceira fase evolutiva do direito processual civil, qual seja, a fase instrumentalista. Com o advento do NCPC, portanto, restarão SUPERADAS as Súmulas 418 do STJ e 434, I, do TST.

6. A fase instrumentalista do processo civil brasileiro

A evolução do Direito Processual Civil brasileiro se divide em três fases, quais sejam: fase imanentista, fase autonomista ou conceitual (científica) e fase instrumentalista.

A propósito, os ilustres processualistas Ada Pellegrini Grinover, Cândido Rangel Dinamarco e Antonio Carlos de Araújo Cintra esclarecem:[11]

a) Fase do sincretismo: o processo era considerado simples meio de exercício dos direitos. A ação era o próprio Direito subjetivo material que, uma vez lesado, adquiria forças para obter em juízo a reparação desta lesão. Não se tinha noção do Direito processual como ramo autônomo do Direito e muito menos dos elementos para sua autonomia científica.

b) Fase autonomista (conceitual): marcada pelas grandes construções científicas do Direito processual. Tiveram lugar as grandes teorias processuais, especialmente sobre a natureza jurídica da ação e do processo, as condições daquela e os pressupostos processuais.

c) Fase instrumentalista: é uma fase crítica. Após toda a evolução existente, chega-se a um momento em que se observa o processo por um ângulo externo, ou seja, examinando os resultados práticos.

Vivemos atualmente na fase instrumentalista, que é caracterizada pela busca pela celeridade da prestação jurisdicional, sem que se perca de vista os princípios basilares do processo, que garantem segurança às partes no processo.

Sobre esse aspecto, abalizada doutrina destaca o seguinte:[12]

“O processualista moderno sabe que, pelo aspecto técnico-dogmático, a sua ciência já atingiu níveis muito expressivos de desenvolvimento, mas o sistema continua falho na sua missão de produzir justiça entre os membros da sociedade. É preciso agora deslocar o ponto de vista e passar a ver o processo a partir de um ângulo externo, isto é, examiná-lo nos seus resultados práticos. Como tem sido dito, já não basta encarar o sistema do ponto de vista dos produtores do serviço processual: é preciso levar em conta o modo como os seus resultados chegam aos “consumidores” desse serviço, ou seja, à população destinatária”

CONCLUSÃO

Em março de 2015, rechaçando a tese da extemporaneidade do recurso prematuro, o Plenário do STF afirmou a admissibilidade da interposição de embargos declaratórios oferecidos ANTES da publicação do acórdão embargado, independentemente de posterior ratificação.

Segundo a nova orientação do Plenário do STF, não se trata aqui de recurso prematuro, pois o prazo começaria a correr da data de intimação da parte, e a presença do advogado, a manifestar conhecimento do acórdão, supriria a intimação. Além disso, esse recurso jamais poderia ser considerado um recurso intempestivo, termo relacionado à prática do ato processual após o decurso do prazo.

Em outras palavras, o Plenário do STF admitiu que a parte se antecipe à intimação oficial para interpor seu recurso. Assim, se a parte tomar conhecimento do teor do acórdão antes de sua publicação e entender que há omissão, contradição ou obscuridade, então poderá embargar imediatamente. Trata-se do influxo das ideias da doutrina moderna, que ressalta o advento da fase instrumentalista do Direito Processual.

Esse entendimento é reforçado pelo art. 1.024, § 5º do Novo CPC. Assim, com a entrada no novo diploma legal, restam SUPERADAS as Súmulas 418 do STJ e 434, I, do TST.

REFERÊNCIAS

BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do Processo e Técnica Processual. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010

CINTRA, Antonio Carlos de Araújo. GRINOVER, Ada Pellegrini. DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 22ª Edição. Editora Malheiros. São Paulo: 2006.

DINAMARCO, Cândido Rangel. In Tempestividade dos recursos. RDDP, nº 16, julho/2004, p. 23

DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 14ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009

OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. O formalismo-valorativo no confronto com o formalismo excessivo. In: Revista de Processo, São Paulo: RT, 137, p. 7-31, 2006

 

Alice Saldanha Villar

Advogada e autora dos livros “Direito Sumular - STF” e Direito Sumular - STJ”, Editora JHMIZUNO, São Paulo, 2015 - Prefácio do Ministro Luiz Fux.

 


[1] Cf. STJ - AgRg no Ag 479830 SP, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, 3ª Turma, DJ 30/06/2003.

[2] Cf., nesse sentido, dentre outros: STJ - AgRg no REsp 573080 RS, Rel. Min. HAMILTON CARVALHIDO, 6ª Turma, DJ 22/03/2004; STJ - AgRg no Ag 896558 CE, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, 2ª Turma, DJ 21/09/2007.

[3] Cf. AgRg no AREsp 356611 GO, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, DJe 27/09/2013.

[4] Cf. TST - RR 8066020105150125, Rel. Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, 3ª Turma, DEJT 26/09/2014.

[5] Cf. STJ - AREsp: 566807 SP, Rel. Min. Walter De Almeida Guilherme (Des. convocado do TJ/SP), DJ 24/11/2014.

[6] Cf. STF - ARE 841151 SP , Rel. Min. Celso de Mello, 2ª Turma, DJ 09/12/2014.

[7] Cf. STF AI 606790 RS, ReL. Min. Celso de Mello, DJe 06/04/2010.

[8] Cf. STF - AI 703269 AgR-ED-ED-EDv-ED/MG, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 5/3/2015 (Noticiado no informativo 776).

[9] Cf. STF - HC 101132 MA, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, DJe 22/05/2012.

[10] Cf. OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. O formalismo-valorativo no confronto com o formalismo excessivo. In: Revista de Processo, São Paulo: RT, 137, páginas 7-31, 2006; DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 14ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009; BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do Processo e Técnica Processual. 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010). – Citado no Voto do Ministro Relelator Min. Luiz Fux no HC 101132 MA, 1ª Turma, DJe 22/05/2012

[11] Cf. CINTRA, Antonio Carlos de Araújo. GRINOVER, Ada Pellegrini. DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 22ª Edição. Editora Malheiros. São Paulo: 2006, p. 48 e 49.

[12] Cf. CINTRA, A. C. A.; GRINOVER, A. P.; DINAMARCO, C. R. Teoria Geral do Processo. 18ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p. 43.

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