Este blog foi criado para fornecer as atualizações da obra Direito Sumular STF & STJ, que são periodicamente elaboradas pela autora na forma de artigos jurídicos publicados em diversas revistas e periódicos. Disponibilizaremos também outros trabalhos acadêmicos da autora, bem como matérias, notas e notícias.

Do Prefácio - Ministro Luiz Fux
Ministro do Supremo Tribunal Federal
Professor Titular de Direito Processual da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)



quarta-feira, 1 de abril de 2015

ATUALIZAÇÃO N. 7: Súmula 405 do STJ atualizada

 

INVALIDEZ PERMANENTE DA VÍTIMA: QUAL O TERMO INICIAL DA PRESCRIÇÃO NAS DEMANDAS POR INDENIZAÇÃO DO SEGURO DPVAT?

 

Conforme prevê a Súmula 405 do STJ: “A ação de cobrança do seguro obrigatório (DPVAT) prescreve em três anos.”

O presente artigo se destina a esclarecer qual o termo inicial desse prazo prescricional nas demandas por indenização do seguro DPVAT nos casos de invalidez permanente da vítima.

Resumo: Como é cediço, a ação de de cobrança do seguro obrigatório (DPVAT) prescreve em três anos (Súmula 405/STJ). De acordo com a jurisprudência do STJ, o termo inicial dessa prescrição nas demandas por indenização do seguro DPVAT no caso de invalidez permanente da vítima é a data em que o segurado teve ciência inequívoca da incapacidade laboral. Este entendimento decorre da Súmula 278 do STJ, verbis: “O termo inicial do prazo prescricional, na ação de indenização, é a data em que o segurado teve ciência inequívoca da incapacidade laboral”. Ocorre que, durante muito tempo, se discutiu se haveria ou não necessidade de um laudo médico para que a vítima do acidente (beneficiária do seguro) tenha a chamada ciência inequívoca da invalidez permanente (total ou parcial). Solucionando enfim a controvérsia, a 2ª Seção do STJ, no julgamento de embargos de declaração opostos contra acórdão que julgou representativo da controvérsia (543-C do CPC), firmou o seguinte entendimento: “Exceto nos casos de invalidez permanente notória, ou naqueles em que o conhecimento anterior resulte comprovado na fase de instrução, a ciência inequívoca do caráter permanente da invalidez depende de laudo médico”. Nossa pesquisa se destina a examinar e esclarecer os fundamentos dessa decisão.

Sumário: 1. O que é o Seguro DPVAT? 2. Qual o valor do DPVAT e como receber? 3. Prazo prescricional da ação de cobrança do seguro DPVAT. 4. Termo inicial da prescrição no caso de invalidez permanente da vítima. Conclusão.

1. O QUE É O SEGURO DPVAT?

Criado na década de 70, o Seguro Obrigatório de Danos Pessoais causados por veículos automotores de via terrestre (DPVAT) tem a finalidade de amparar as vítimas de acidentes de trânsito em todo o território nacional, não importando de quem seja a culpa dos acidentes. O seguro é útil em vários tipos de acidente e até pedestres têm direito a usá-lo. [1]

O DPVAT é um seguro de contratação obrigatória para toda a população que utiliza veículos automotores e vincula apenas a empresa de seguro e o segurado. Trata-se de uma relação de natureza particular e disponível. Tanto é assim que, na ocorrência de um sinistro, o beneficiário pode deixar de requerer a cobertura ou dela dispor como bem entender.

2. QUAL O VALOR DO DPVAT E COMO RECEBER?

A Lei n. 6.194 de 1974, em seu artigo 3º, fixa o valor do DPVAT nos seguintes termos:

a) Nos casos de morte: o valor da indenização é de R$ 13.500 (por vítima).

b) Nos casos de invalidez permanente: o valor da indenização é de até R$ 13.500 (por vítima).

c) Nos casos de despesas médicas e hospitalares comprovadas: o valor da indenização é de até R$ 2.700 em reembolso a cada vítima.

Confira:

  • Lei n. 6.194 de 1974. Art. 3o Os danos pessoais cobertos pelo seguro estabelecido no art. 2o desta Lei compreendem as indenizações por morte, por invalidez permanente, total ou parcial, e por despesas de assistência médica e suplementares, nos valores e conforme as regras que se seguem, por pessoa vitimada: (Redação dada pela Lei nº 11.945, de 2009).
    I - R$ 13.500,00 (treze mil e quinhentos reais) - no caso de morte; (Incluído pela Lei nº 11.482, de 2007)
    II - até R$ 13.500,00 (treze mil e quinhentos reais) - no caso de invalidez permanente; e (Incluído pela Lei nº 11.482, de 2007)
    III - até R$ 2.700,00 (dois mil e setecentos reais) - como reembolso à vítima - no caso de despesas de assistência médica e suplementares devidamente comprovadas. (Incluído pela Lei nº 11.482, de 2007)

Há de se ressaltar que, por mais que as vítimas sintam a redução em sua capacidade laboral ao longo dos anos, esse fato não é suficiente para autorizá-las a pleitear a indenização, pois a legislação do DPVAT exige mais do que mera incapacidade laboral, exige invalidez permanente. [2]

Há seguradoras consorciadas em todo o Brasil e também agências dos Correios para receber as vítimas de trânsito. O procedimento para o recebimento do seguro pelas vítimas de trânsito é simples, não se exigindo a presença de advogado para dar entrada no pedido de indenização.

Basta apresentar os documentos na seguradora ou agência dos Correios que faça atendimento do Seguro DPVAT.  O pagamento da indenização é feito em conta corrente ou poupança da vítima ou de seus beneficiários, em até 30 dias após a apresentação da documentação necessária.[3]

3. PRAZO PRESCRICIONAL DA AÇÃO DE COBRANÇA DO SEGURO DPVAT

Caso o beneficiário não receba adequadamente a indenização a que faz jus, poderá pleitear seu direito judicialmente. De acordo com o STJ, o DPVAT tem qualidade de seguro obrigatório de responsabilidade civil, razão pela qual prescreve em 3 anos a ação de cobrança intentada pelo beneficiário, nos termos do art. 206, § 3º, IX, do CC/2002.[4]

Nesse sentido temos a Súmula 405 do STJ, criada em 2009:

  • Súmula 405/STJ: A ação de cobrança do seguro obrigatório (DPVAT) prescreve em três anos.

Confira, a propósito, os seguintes precedentes:

“No que se refere ao prazo prescricional para o ajuizamento de ação em que o beneficiário busca o pagamento da indenização referente ao seguro obrigatório, o entendimento assente nesta Corte é no sentido de que o prazo prescricional é de três anos, nos termos do art. 206, § 3º, IX, do CC.(...) STJ - AgRg no REsp 1057098 SP, Rel. Min. Massami Uyeda, 3ª Turma, DJe 03/11/2008

“(...) Em observância da regra de transição do art. 2.028 do novo Código Civil, se, em 11.1.2003, já houver passado mais de dez anos, o prazo prescricional vintenário do art. 177 do Código Civil de 1916 continua a fluir até o seu término; porém, se naquela data, não houver transcorrido tempo superior a dez anos, inicia-se a contagem da prescrição trienal prevista no art. 206, § 3º, IX, do Código Civil de 2002 (...)”. STJ - AgRg no Ag 1133073 RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, 4ª Turma, DJe 29/06/2009

4. TERMO INICIAL DA PRESCRIÇÃO NO CASO DE INVALIDEZ PERMANENTE DA VÍTIMA

Como se sabe, o marco inicial da prescrição deve corresponder ao momento em que a parte teve conhecimento do nascimento do direito subjetivo, ou seja, do fato gerador do seu direito ao pagamento da indenização pretendida.

No que diz respeito ao termo inicial da prescrição nas demandas por indenização do seguro DPVAT, no caso de invalidez permanente da vítima, a jurisprudência do STJ aplica o entendimento da Súmula 278, verbis:

  • Súmula 278 do STJ: O termo inicial do prazo prescricional, na ação de indenização, é a data em que o segurado teve ciência inequívoca da incapacidade laboral. (grifo nosso)

Nesse ponto, cumpre indagar: em que momento se caracteriza esta ciência inequívoca do caráter permanente da invalidez? Seria necessário um laudo médico?

Durante muito tempo se discutiu se haveria necessidade, ou não, de um laudo médico para que a vítima do acidente (beneficiária do seguro) tenha ciência inequívoca da invalidez permanente (total ou parcial). Essa controvérsia gerou, em síntese, três entendimentos jurisprudenciais diversos, a saber:

a) Primeiro entendimento:

O primeiro entendimento considera que a invalidez permanente depende de uma declaração médica, sem a qual não há como presumir a ciência da vítima.

Exemplo: No AREsp 235825 SP, verificou-se que a vítima do acidente submeteu-se a um exame médico em 2003, mas tal exame foi inconclusivo quanto ao caráter permanente da invalidez. Somente em 2006, com a realização de um exame complementar, é que foi caracterizada a invalidez permanente. O Tribunal a quo computou então o prazo prescricional a partir da data do segundo exame, não obstante inércia da vítima, que demorou três anos para se submeter ao exame complementar. Instado a se manifestar, o STJ asseveou que, “rever o entendimento firmado pelo Tribunal de origem a fim de se concluir de forma diversa quanto ao termo inicial da ciência inequívoca do segurado no que toca à sua invalidez permanente demandaria a incursão no conjunto probatório dos autos, o que é vedado por este Tribunal ante o óbice contido na Súmula 7 desta Corte Superior.”

b) Segundo entendimento

O segundo entendimento é uma ligeira mitigação do primeiro. Aceita-se a presunção de ciência inequívoca, independentemente de laudo médico, mas somente nas hipóteses em que a invalidez é notória, como nos casos de amputação de membro.

Exemplo: No Ag 1334648 MT, o acidente ocorreu em 1996, causando a amputação da perna da vítima. Porém, somente em 2007 a vítima submeteu-se a exame para apurar a invalidez permanente. O Tribunal de origem entendeu que a ciência da invalidez teria ocorrido logo depois do acidente, em 1996, sob o fundamento de que a invalidez permanente é notória nos casos de amputação de membro, podendo-se presumir a ciência do caráter permanente da invalidez desde a data da amputação, independentemente de laudo médico. O STJ negou seguimento ao recurso especial com base na Súmula 7 do STJ, mantendo-se, assim, o entendimento trilhado pelo Tribunal.

Ora, o laudo médico, nesses casos, serviria mais para aferir o grau de invalidez, do que para constatá-la. Nesse sentido, cumpre transcrever o seguinte entendimento doutrinário:

“Algumas lesões, em razão da sua gravidade, implicam em invalidez permanente de imediato. É o caso, por exemplo, da dupla amputação dos membros inferiores de uma vítima de acidente de trânsito. Nenhum tratamento poderá desfazer essa substanciosa perda anatômica, razão pela qual a pessoa faz jus ao recebimento da indenização prontamente, sendo apenas necessária a obtenção de laudo do Instituto Médico-Legal da jurisdição do acidente ou da residência da vítima para “verificação da existência e quantificação das lesões permanentes, totais ou parciais” [...]”. (BERMUDES, Sérgio e FERREIRA, Frederico. Termo inicial da prescrição do Seguro DPVAT. in: DPVAT: um seguro em evolução. Rio de Janeiro: Renovar, 2013, p. 262)

Como bem observou o ilustre Ministro Paulo de Tarso Sanseverino: [5]

“Interessante destacar que o fato de a invalidez permanente ser uma consequência imediata do acidente, não implica, necessariamente, ciência inequívoca da vítima. A perda do baço, por exemplo, somente chegará ao conhecimento de uma vítima leiga em Medicina se essa informação lhe for prestada por um médico. Nesses casos, ainda que a lesão seja imediata, a ciência da vítima só ocorrerá em momento posterior.”

c) Terceiro entendimento:

O terceiro entendimento admite que essa ciência inequívoca possa ser presumida, conforme as circunstâncias do caso.

Exemplo: No REsp 305993 MT, o acidente ocorreu em 1996, causando lesões na coluna lombar e na bacia, mas a invalidez permanente somente veio a ser declarada por médico onze anos depois, em 2007. O Tribunal a quo entendeu que o longo decurso de tempo entre o acidente e a data do laudo permite que se presuma a ciência da invalidez. Considerou-se, ainda, que a vítima não comprovou nos autos que estaria realizando tratamento médico ao longo desses onze anos. Consequentemente, julgou-se prescrita a pretensão indenizatória. No mesmo sentido, o acórdão encontrado no REsp 1243351 MT, em que o acidente ocorreu em 1998, causando fratura da perna esquerda da vítima, mas o laudo só foi elaborado em 2008, quando foi constatada a paraparesia (perda parcial de função motora) do membro afetado. O STJ negou seguimento ao recurso especial com base na Súmula 7 do STJ, mantendo-se, assim, o entendimento trilhado pelo Tribunal de apelação.

Nesse momento, cumpre observarmos a regra inserta no art. 334 do Código de Processo Civil:

  • CPC. Art. 334. Não dependem de prova os fatos: I - notórios; II - afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária; III - admitidos, no processo, como incontroversos; IV - em cujo favor milita presunção legal de existência ou de veracidade. (sem grifos no original)

O primeiro entendimento acima descrito, exigindo um laudo médico para que se considere a ciência inequívoca da vítima, está de acordo com esse dispositivo legal (a contrario sensu), pois o laudo médico é uma prova documental.

O segundo entendimento também está de acordo, pois o caráter permanente da invalidez em hipóteses como amputação de membro constitui fato notório para a vítima, enquadrando-se no inciso I, supra.

O terceiro entendimento, contudo, afronta o disposto no art. 334 do CPC, por não haver norma legal que autorize o julgador a presumir a ciência da invalidez a partir de circunstâncias fáticas como o decurso do tempo, a não submissão a tratamento ou a interrupção deste. [6]

Instado a se manifestar, o STJ pacificou a controvérsia no julgamento de embargos de declaração opostos contra acórdão que julgou representativo da controvérsia (543-C do CPC). Nesta ocasião, a Corte fixou o seguinte entendimento: em regra, a ciência inequívoca do caráter permanente da invalidez depende de laudo médico. Entretanto, existem duas exceções, quais sejam, os casos de invalidez permanente notória e aqueles em que o conhecimento anterior resulte comprovado na fase de instrução. [7]

CONCLUSÃO

O DPVAT tem qualidade de seguro obrigatório de responsabilidade civil, razão pela qual a ação de cobrança intentada pelo beneficiário prescreve em 3 anos (art. 206, § 3º, IX, do CC/2002). O termo inicial desse prazo prescricional é data da ciência inequívoca da invalidez, o que, em regra, ocorre com a elaboração do laudo no IML.

Assim, como regra, há de prevalecer como termo inicial da prescrição a data indicada no laudo médico apresentado pela vítima. Esta regra possui duas exceções: a) nos casos de invalidez permanente notória; e b) nos casos em que o conhecimento anterior resulte comprovado na fase de instrução. Vale frisar: nessas duas hipóteses, o prazo prescricional se inicia independentemente do laudo médico.

 

Alice Saldanha Villar

Advogada e autora dos livros “Direito Sumular - STF” e Direito Sumular - STJ”, Editora JHMIZUNO, São Paulo, 2015 - Prefácio do Ministro Luiz Fux.

 


[1] Disponível em: <http://www.stj.jus.br> Acesso em 29/03/2013.

[2] Cf. STJ – Voto do Ministro Paulo De Tarso Sanseverino, no REsp 1388030 MG, 2ª Seção, DJe 01/08/2014.

[3] Disponível em http://www.seguradoralider.com.br. Data de acesso: 26/02/2015.

[4] Cf. STJ - AgRg no REsp 1057098 SP, Rel. Min. MASSAMI UYEDA, 3ª Turma, DJe 03/11/2008.

[5] Cf. STJ – Voto do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, no REsp 1388030 MG, 2ª Seção, DJe 01/08/2014.

[6] Idem.

[7] STJ - AgRg no Ag 1133073 RJ, Rel. Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, 4ª Turma, DJe 29/06/2009

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