Este blog foi criado para fornecer as atualizações da obra Direito Sumular STF & STJ, que são periodicamente elaboradas pela autora na forma de artigos jurídicos publicados em diversas revistas e periódicos. Disponibilizaremos também outros trabalhos acadêmicos da autora, bem como matérias, notas e notícias.

Do Prefácio - Ministro Luiz Fux
Ministro do Supremo Tribunal Federal
Professor Titular de Direito Processual da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)



sexta-feira, 31 de julho de 2015

ATUALIZAÇÃO N. 20: Súmula 105 STF Atualizada

Súmula 105: Salvo se tiver havido premeditação, o suicídio do segurado no período contratual de carência não exime o segurador do pagamento do seguro. Data: 13/12/1963

O contrato de seguro constitui um acordo de transferência da titularidade dos prejuízos econômicos decorrentes da materialização do sinistro, pelo qual a seguradora se obriga ao pagamento de um valor em pecúnia ao segurado ou a terceiro beneficiado, caso o evento previsto na apólice venha a ocorrer.[1]

A Súmula 105 do STF, criada em 1963, estabeleceu a obrigatoriedade de pagamento do seguro, ressalvando apenas a hipótese de suicídio premeditado. Dessa forma, a jurisprudência firmou-se no sentido de que apenas o suicídio não premeditado ou involuntário encontraria-se abrangido pelo conceito de “acidente pessoal” para fins de seguro. Sendo assim, é inoperante a cláusula que, nos seguros de acidentes pessoais, exclui a responsabilidade de seguradora em casos de suicídio não premeditado. Este entendimento culminou na edição da Súmula 61/STJ em 1992, verbis: “O seguro de vida cobre o suicídio não premeditado”.

Em 2002, o art. 798 do CC/2002 tratou do período conhecido pela doutrina como “prazo de carência”. Segundo esse dispositivo, “o beneficiário não tem direito ao capital estipulado quando o segurado se suicida nos primeiros dois anos de vigência inicial do contrato (...).” Esta inovação legislativa, sem correspondente no CC/1016, veio de encontro ao posicionamento até então predominante na jurisprudência do STF e do STJ de que somente o suicídio premeditado, ou seja, cometido no intuito de fraude à seguradora, afasta o dever de efetuar o pagamento do prêmio ao beneficiário do seguro de vida contratado pelo suicida.

No REsp 1188091, a eminente Ministra Nancy Andrighi declarou: “... proferi voto salientando a infelicidade do legislador na edição da regra do art. 798 do CC/2002, fixando uma espécie de prazo de carência para o suicídio, inovando em matéria que há tempos estava bem equacionada pela doutrina e pela jurisprudência”.[2]

De fato, o advento do art. 798 do CC/02 fez surgir o entendimento segundo o qual a ocorrência de suicídio no interregno de 02 anos após a celebração do contrato de seguro seria capaz de acarretar a exclusão do dever de indenizar, independentemente da prova de premeditação do segurado.

A controvérsia chegou à 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, que no julgamento do AgRg no Ag 1244022 RS, realizado em abril de 2011 afirmou a interpretação do art. 798, do CC/ 2002 não pode ser apenas literal, mas deve realizar-se de modo a compatibilizar o seu ditame ao disposto nos arts. 113 e 422 do mesmo diploma legal, que evidenciam a boa-fé como um dos princípios norteadores da nova codificação civil.[3]

Como bem destacou a ilustra Nancy Andrighi: [4]

“Com base nessa orientação, não é razoável admitir que o legislador pátrio, em prejuízo do beneficiário de boa-fé, tenha deliberadamente suprimido o critério subjetivo para aferição da premeditação do suicídio. O período de dois anos mencionado pela norma brasileira, dessa forma, não deve ser examinado isoladamente. É necessário promover a análise das demais circunstâncias que envolveram sua elaboração, pois seu objetivo certamente não foi substituir a prova da premeditação do suicídio pelo mero transcurso de um lapso temporal, para fins de recebimento de indenização. Não se trata, porquanto, de dispensar a discussão acerca da premeditação, de fundamental relevância em hipóteses como a dos autos, nas quais o segurado cometeu suicídio antes do decurso do prazo previsto pelo art. 798 do CC/02. É importante esclarecer, nesse contexto, que o planejamento do ato suicida, para fins de fraude contra o seguro, nunca poderá ser presumido. Isso porque o princípio segundo o qual a boa-fé é sempre pressuposta, enquanto a má-fé deve ser comprovada, é perfeitamente aplicável à espécie.”

No julgamento do AgRg no Ag 1244022 RS, por expressiva maioria a 2ª Seção do STJ afirmou a necessidade de uma interpretação sistemática e teleológica do art. 798 do CC⁄02, que deve ser compreendido em consonância com o princípio da boa-fé objetiva (arts. 113, 187 e 422 do CC⁄2002). Além do aspecto sistemático-teleológico, considerou-se também um aspecto histórico, que era a jurisprudência consolidada na Súmula 105/STF e na Súmula 61/STJ, antes da edição do Código Civil de 2002, no sentido de que a premeditação não se presume, devendo ser comprovada pela seguradora.

Em suma, a presunção de boa fé prevalece sobre a exegese literal do art. 798 do CC/02, que deve ser interpretado da seguinte forma: após 2 anos da contratação do seguro, presume-se que o suicídio não foi premeditado, mas o contrário não ocorre; se o ato foi cometido antes desse período, haverá a necessidade de prova, pela seguradora, da premeditação.

À luz do que até agora foi exposto, note-se que, a despeito da nova previsão legal, permaneceram aplicáveis as Súmulas do STF e STJ que disciplinam a matéria, pois a interpretação literal e absoluta do art. 798 do CC/02 desconsidera importantes aspectos de ordem pública, dentre eles a necessidade de proteção do beneficiário de contrato de seguro de vida celebrado em conformidade aos princípios da boa fé objetiva e lealdade contratual.

Numa palavra: o artigo 798 do CC/2002 não alterou o entendimento de que a prova da premeditação do suicídio é necessária para afastar o direito à indenização securitária.[5] Dessa forma, o fato de o suicídio ter ocorrido no período inicial de dois anos de vigência do contrato de seguro, por si só, não autoriza a companhia seguradora a eximir-se do dever de indenizar, sendo necessária a comprovação inequívoca da premeditação por parte do segurado, ônus que cabe à seguradora, conforme as Súmulas 105/ STF e 61/STJ.[6]

Ocorre que, mais recentemente, o Superior Tribunal de Justiça voltou a reacender a polêmica a respeito do direito à indenização de seguro de vida em caso de suicídio. Em julgamento realizado em abril de 2015, a 2ª Seção do STJ muda o entendimento que vinha sendo aplicado pela Corte desde 2011 a respeito do período de carência previsto no art. 798 do CC/2002.

O recurso recentemente analisado na 2ª Seção foi afetado pela 3ª Turma, sob a relatoria do ministro Paulo de Tarso Sanseverino. O Ministro votou para que fosse mantida a tese firmada em abril de 2011 no julgamento do AgRg no Ag 1244022 RS, contrária à que agora prevaleceu.[7]

Desta feita, no dia 8 de abril de 2015, no julgamento do REsp 1334005 GO, a Segunda Seção do STJ decidiu, por sete votos a um, que a seguradora não tem obrigação de indenizar suicídio cometido dentro do prazo de carência de dois anos da assinatura do contrato de seguro de vida.[8]

A decisão efetua uma interpretação literal do artigo 798 do CC/2002, que traz um critério temporal objetivo, não dando margem a interpretações subjetivas quanto à premeditação ou à boa-fé do segurado. A ministra Isabel Gallotti apontou que o Código Civil atual não possui referência à premeditação ou não do suicídio. Segundo a ilustre Minsitra, a intenção do novo Código é justamente evitar a difícil prova de premeditação.

Aplicando essa linha de entendimento, várias outras jurisprudências já vinham surgindo. Confira:

  • “(...) O entendimento jurisprudencial pátrio anteriormente à vigência do novo Código Civil firmou-se no sentido de que cabia às seguradoras comprovar que o suicídio seria premeditado, para que pudessem deixar de pagar a indenização securitária decorrente desta espécie de morte, pois o suicídio não premeditado se equipararia ao acidente, tendo o beneficiário do seguro o direito de receber a indenização correspondente à morte acidental.- Não obstante, a partir da vigência do novo Código Civil esta controvérsia já não mais se sustenta, haja vista a adoção de critério objetivo no próprio texto do seu art. 798 para a exclusão do risco da seguradora para suicídios ocorridos nos dois primeiros anos da contratação. (...)” TJ-MG – AC 10194110056190003 MG, Rel. Luciano Pinto, 17ª Câmara Cível, DJ 04/02/2014.
  • Pela inteligência do art. 798, do C.C. de 2002, que exigiu o tempo como única restrição ao pagamento do seguro, a seguradora está isenta do pagamento da indenização se ocorrer suicídio do segurado dentro de 2 anos após o início da vigência do contrato, sendo irrelevante o suicídio ser ou não premeditado. (TJMG, Ap. Cível ..... , Rel. Des. Marcelo Rodrigues, 14/02/07)

Também neste sentido, o Tribunal de Justiça do Paraná:

  • (...) 2. A discussão central sobre a cobertura de seguro de vida, nos casos de suicídio, sempre foi se houve premeditação ou não pelo segurado. O tema acabou originando a edição de duas súmulas, uma do Supremo Tribunal Federal e outra do Superior Tribunal de Justiça. A Súmula nº. 105 do STF foi assim editada: “Salvo se tiver havido premeditação, o suicídio do segurado no período contratual da carência não exime o segurado do pagamento do seguro.” Já a Súmula nº. 61 do STJ consagra: “O seguro de vida cobre o suicídio não premeditado”. Com a edição do Código Civil, a questão acerca da premeditação restou afastada, já que o seu art. 798 veda expressamente o pagamento do capital segurado quando o suicídio ocorrer nos dois primeiros anos de vigência contratual. (...)” TJPR, 8ª Câm. Cív., Ac. 9182, Rel. Des. Macedo Pacheco, DJ 07/12/2007

CONCLUSÃO

Em relação ao seguro de vida, há tempos a jurisprudência do STF e do STJ é no sentido de que a prova da premeditação do suicídio é necessária para afastar o direito à indenização securitária. Assim, se o segurado pratica suicídio não premeditado, a seguradora deve indenizá-lo, mesmo que o suicídio tenha ocorrido no período de carência, pois suicídio não premeditado está abrangido pelo seguro de acidentes pessoais. Nesse sentido são as Súmulas 61/STJ e 105/STF.

Entretanto, o advento do art. 798 do CC/2002 fez surgir o entendimento de que a ocorrência do suicídio no interregno de 2 anos após a celebração do contrato de seguro provocaria a exclusão do dever da seguradora de indenizar, independentemente da prova de premeditação do segurado. Surgiu então a seguinte pergunta: qual a interpretação correta a ser dada a esse artigo?

  • Em 2011, dando uma interpretação sistemática e teleológica ao dispositivo, o STJ afirmou que a presunção de boa fé deve prevalecer sobre sua a exegese literal. Assim, o art. 798 do CC/02 deve ser interpretado da seguinte forma: se o ato foi cometido durante o período de carência de 02 anos, compete à seguradora o ônus da prova da premeditação. Considerou-se também um aspecto histórico, que era a jurisprudência consolidada na Súmula 105/STF e na Súmula 61/STJ, antes da edição do Código Civil de 2002, no sentido de que a premeditação não se presume, devendo ser comprovada pela seguradora.
  • Em 2015, a 2ª Seção do STJ mudou seu entendimento. A Corte optou por fazer uma interpretação literal do artigo 798 do CC/2002 e decidiu que a seguradora não tem obrigação de indenizar suicídio cometido dentro do prazo de carência de dois anos da assinatura do contrato de seguro de vida. Verifica-se portanto que, ao que tudo indica, as Súmulas ns. 105 do STF e 61 do STJ tendem a ser canceladas.

 


[1] Cf. STJ - Voto da Ministra NANCY ANDRIGHI (Relatora) no REsp 1188091 MG, 3ª Turma, DJe 06/05/2011.

[2] Idem.

[3] Cf. STJ - AgRg no Ag 1244022 RS, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, 2ª Seção, DJe 25/10/2011

[4] Cf. STJ - Voto da Ministra Nancy Andrighi no REsp 1077342 MG, Rel. Min. MASSAMI UYEDA, 3ª Turma,

DJe 03/09/2010

[5] Cf. STJ - REsp 1077342 MG, Rel. Min. Massami Uyeda, 3ª Turma, DJe 03/09/2010.

[6] Cf. STJ - AgRg no AREsp 42273 RS, Rel. Min, Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, DJ 18/10/2011.

[7] O Ministro Paulo de Tarso Sanseverino proferiu voto adotando a linha jurisprudencial fixada pela 2ª Seção do STJ em 2011. Ministro destacou o seguinte: “A partir da conjugação desses métodos hermenêuticos [interpretação sistemática e teleológica do art. 798 do CC⁄20020], concluiu-se que o sentido correto do enunciado normativo em questão é de que, no caso de suicídio do segurado dentro do período de dois anos, compete à seguradora o ônus da prova da premeditação. Essa orientação mostra-se correta, pois a boa-fé (subjetiva) é presumida, devendo ser comprovada a má fé de qualquer pessoa na condução dos seus negócios e demais atos da vida civil. Isso mostra-se especialmente adequado no caso de suicídio do segurado em contrato de seguro de vida, por constituir ato de extremo desespero vital, decorrendo de grave moléstia psíquica, infelizmente cada vez mais comum na sociedade contemporânea, que é a depressão. Assim, não é crível presumir, de forma absoluta, mesmo por decreto, a premeditação ou a má fé do segurado, que pratica esse ato extremo. Naturalmente, pode ocorrer, em alguns casos, a premeditação do suicídio pelo segurado, mas o ônus probatório será da própria seguradora, conforme corretamente fixado pela jurisprudência desta Segunda Seção” (STJ - REsp: 1334005 GO, Rel. Min. PAULO DE TARSO SANSEVERINO, 2ª Seção, DJe 23/06/2015).

[8] Cf. STJ - REsp 1334005 GO, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, 2ª SEÇÃO, DJe 23/06/2015.

ATUALIZAÇÃO N. 19: Súmula 61 STJ Atualizada

 

Súmula 61: O seguro de vida cobre o suicídio não premeditado. Data: 14/10/1992

O contrato de seguro constitui um acordo de transferência da titularidade dos prejuízos econômicos decorrentes da materialização do sinistro, pelo qual a seguradora se obriga ao pagamento de um valor em pecúnia ao segurado ou a terceiro beneficiado, caso o evento previsto na apólice venha a ocorrer.[1]

Segundo o STJ, o suicídio não premeditado ou involuntário encontra-se abrangido pelo conceito de “acidente pessoal” para fins de seguro. Sendo assim, é inoperante a cláusula que, nos seguros de acidentes pessoais, exclui a responsabilidade de seguradora em casos de suicídio não premeditado. Este entendimento culminou na edição da Súmula 61/STJ em 1992.

Na verdade, a Súmula 105 do STF, criada em 1963, já estabelecia a obrigatoriedade de pagamento do seguro, ressalvando apenas a hipótese de suicídio premeditado.

Vejamos:

  • Súmula 105 STF: Salvo se tiver havido premeditação, o suicídio do segurado no período contratual de carência não exime o segurador do pagamento do seguro.

Em 2002, o art. 798 do CC/2002 tratou do período conhecido pela doutrina como “prazo de carência”. Segundo esse dispositivo, “o beneficiário não tem direito ao capital estipulado quando o segurado se suicida nos primeiros dois anos de vigência inicial do contrato (...).” Esta inovação legislativa, sem correspondente no CC/1016, veio de encontro ao posicionamento até então predominante na jurisprudência do STF e do STJ de que somente o suicídio premeditado, ou seja, cometido no intuito de fraude à seguradora, afasta o dever de efetuar o pagamento do prêmio ao beneficiário do seguro de vida contratado pelo suicida.

No REsp 1188091, a eminente Ministra Nancy Andrighi declarou: “... proferi voto salientando a infelicidade do legislador na edição da regra do art. 798 do CC/2002, fixando uma espécie de prazo de carência para o suicídio, inovando em matéria que há tempos estava bem equacionada pela doutrina e pela jurisprudência”.[2]

De fato, o advento do art. 798 do CC/02 fez surgir o entendimento segundo o qual a ocorrência de suicídio no interregno de 02 anos após a celebração do contrato de seguro seria capaz de acarretar a exclusão do dever de indenizar, independentemente da prova de premeditação do segurado.

A controvérsia chegou à 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, que no julgamento do AgRg no Ag 1244022 RS, realizado em abril de 2011 afirmou a interpretação do art. 798, do CC/ 2002 não pode ser apenas literal, mas deve realizar-se de modo a compatibilizar o seu ditame ao disposto nos arts. 113 e 422 do mesmo diploma legal, que evidenciam a boa-fé como um dos princípios norteadores da nova codificação civil.[3]

Como bem destacou a ilustra Nancy Andrighi: [4]

“Com base nessa orientação, não é razoável admitir que o legislador pátrio, em prejuízo do beneficiário de boa-fé, tenha deliberadamente suprimido o critério subjetivo para aferição da premeditação do suicídio. O período de dois anos mencionado pela norma brasileira, dessa forma, não deve ser examinado isoladamente. É necessário promover a análise das demais circunstâncias que envolveram sua elaboração, pois seu objetivo certamente não foi substituir a prova da premeditação do suicídio pelo mero transcurso de um lapso temporal, para fins de recebimento de indenização. Não se trata, porquanto, de dispensar a discussão acerca da premeditação, de fundamental relevância em hipóteses como a dos autos, nas quais o segurado cometeu suicídio antes do decurso do prazo previsto pelo art. 798 do CC/02. É importante esclarecer, nesse contexto, que o planejamento do ato suicida, para fins de fraude contra o seguro, nunca poderá ser presumido. Isso porque o princípio segundo o qual a boa-fé é sempre pressuposta, enquanto a má-fé deve ser comprovada, é perfeitamente aplicável à espécie.”

No julgamento do AgRg no Ag 1244022 RS, por expressiva maioria a 2ª Seção do STJ afirmou a necessidade de uma interpretação sistemática e teleológica do art. 798 do CC⁄02, que deve ser compreendido em consonância com o princípio da boa-fé objetiva (arts. 113, 187 e 422 do CC⁄2002). Além do aspecto sistemático-teleológico, considerou-se também um aspecto histórico, que era a jurisprudência consolidada na Súmula 105/STF e na Súmula 61/STJ, antes da edição do Código Civil de 2002, no sentido de que a premeditação não se presume, devendo ser comprovada pela seguradora.

Em suma, a presunção de boa fé prevalece sobre a exegese literal do art. 798 do CC/02, que deve ser interpretado da seguinte forma: após 2 anos da contratação do seguro, presume-se que o suicídio não foi premeditado, mas o contrário não ocorre; se o ato foi cometido antes desse período, haverá a necessidade de prova, pela seguradora, da premeditação.

À luz do que até agora foi exposto, note-se que, a despeito da nova previsão legal, permaneceram aplicáveis as Súmulas do STF e STJ que disciplinam a matéria, pois a interpretação literal e absoluta do art. 798 do CC/02 desconsidera importantes aspectos de ordem pública, dentre eles a necessidade de proteção do beneficiário de contrato de seguro de vida celebrado em conformidade aos princípios da boa fé objetiva e lealdade contratual.

Numa palavra: o artigo 798 do CC/2002 não alterou o entendimento de que a prova da premeditação do suicídio é necessária para afastar o direito à indenização securitária.[5] Dessa forma, o fato de o suicídio ter ocorrido no período inicial de dois anos de vigência do contrato de seguro, por si só, não autoriza a companhia seguradora a eximir-se do dever de indenizar, sendo necessária a comprovação inequívoca da premeditação por parte do segurado, ônus que cabe à seguradora, conforme as Súmulas 105/ STF e 61/STJ.[6]

Ocorre que, mais recentemente, o Superior Tribunal de Justiça voltou a reacender a polêmica a respeito do direito à indenização de seguro de vida em caso de suicídio. Em julgamento realizado em abril de 2015, a 2ª Seção do STJ muda o entendimento que vinha sendo aplicado pela Corte desde 2011 a respeito do período de carência previsto no art. 798 do CC/2002.

O recurso recentemente analisado na 2ª Seção foi afetado pela 3ª Turma, sob a relatoria do ministro Paulo de Tarso Sanseverino. O Ministro votou para que fosse mantida a tese firmada em abril de 2011 no julgamento do AgRg no Ag 1244022 RS, contrária à que agora prevaleceu.[7]

Desta feita, no dia 8 de abril de 2015, no julgamento do REsp 1334005 GO, a Segunda Seção do STJ decidiu, por sete votos a um, que a seguradora não tem obrigação de indenizar suicídio cometido dentro do prazo de carência de dois anos da assinatura do contrato de seguro de vida.[8]

A decisão efetua uma interpretação literal do artigo 798 do CC/2002, que traz um critério temporal objetivo, não dando margem a interpretações subjetivas quanto à premeditação ou à boa-fé do segurado. A ministra Isabel Gallotti apontou que o Código Civil atual não possui referência à premeditação ou não do suicídio. Segundo ela, a intenção do novo Código é justamente evitar a difícil prova de premeditação.

Aplicando essa linha de entendimento, várias outras jurisprudências já vinham surgindo. Confira:

  • “(...) O entendimento jurisprudencial pátrio anteriormente à vigência do novo Código Civil firmou-se no sentido de que cabia às seguradoras comprovar que o suicídio seria premeditado, para que pudessem deixar de pagar a indenização securitária decorrente desta espécie de morte, pois o suicídio não premeditado se equipararia ao acidente, tendo o beneficiário do seguro o direito de receber a indenização correspondente à morte acidental.- Não obstante, a partir da vigência do novo Código Civil esta controvérsia já não mais se sustenta, haja vista a adoção de critério objetivo no próprio texto do seu art. 798 para a exclusão do risco da seguradora para suicídios ocorridos nos dois primeiros anos da contratação. (...)” TJ-MG – AC 10194110056190003 MG, Rel. Luciano Pinto, 17ª Câmara Cível, DJ 04/02/2014.
  • Pela inteligência do art. 798, do C.C. de 2002, que exigiu o tempo como única restrição ao pagamento do seguro, a seguradora está isenta do pagamento da indenização se ocorrer suicídio do segurado dentro de 2 anos após o início da vigência do contrato, sendo irrelevante o suicídio ser ou não premeditado. (TJMG, Ap. Cível ..... , Rel. Des. Marcelo Rodrigues, 14/02/07)

Também neste sentido, o Tribunal de Justiça do Paraná:

  • (...) 2. A discussão central sobre a cobertura de seguro de vida, nos casos de suicídio, sempre foi se houve premeditação ou não pelo segurado. O tema acabou originando a edição de duas súmulas, uma do Supremo Tribunal Federal e outra do Superior Tribunal de Justiça. A Súmula nº. 105 do STF foi assim editada: “Salvo se tiver havido premeditação, o suicídio do segurado no período contratual da carência não exime o segurado do pagamento do seguro.” Já a Súmula nº. 61 do STJ consagra: “O seguro de vida cobre o suicídio não premeditado”. Com a edição do Código Civil, a questão acerca da premeditação restou afastada, já que o seu art. 798 veda expressamente o pagamento do capital segurado quando o suicídio ocorrer nos dois primeiros anos de vigência contratual. (...)” TJPR, 8ª Câm. Cív., Ac. 9182, Rel. Des. Macedo Pacheco, DJ 07/12/2007

CONCLUSÃO

Em relação ao seguro de vida, há tempos a jurisprudência do STF e do STJ é no sentido de que a prova da premeditação do suicídio é necessária para afastar o direito à indenização securitária. Assim, se o segurado pratica suicídio não premeditado, a seguradora deve indenizá-lo, mesmo que o suicídio tenha ocorrido no período de carência, pois suicídio não premeditado está abrangido pelo seguro de acidentes pessoais. Nesse sentido são as Súmulas 61/STJ e 105/STF.

Entretanto, o advento do art. 798 do CC/2002 fez surgir o entendimento de que a ocorrência do suicídio no interregno de 2 anos após a celebração do contrato de seguro provocaria a exclusão do dever da seguradora de indenizar, independentemente da prova de premeditação do segurado. Surgiu então a seguinte pergunta: qual a interpretação correta a ser dada a esse artigo?

  • Em 2011, dando uma interpretação sistemática e teleológica ao dispositivo, o STJ afirmou que a presunção de boa fé deve prevalecer sobre sua a exegese literal. Assim, o art. 798 do CC/02 deve ser interpretado da seguinte forma: se o ato foi cometido durante o período de carência de 02 anos, compete à seguradora o ônus da prova da premeditação. Considerou-se também um aspecto histórico, que era a jurisprudência consolidada na Súmula 105/STF e na Súmula 61/STJ, antes da edição do Código Civil de 2002, no sentido de que a premeditação não se presume, devendo ser comprovada pela seguradora.
  • Em 2015, a 2ª Seção do STJ mudou seu entendimento. A Corte optou por fazer uma interpretação literal do artigo 798 do CC/2002 e decidiu que a seguradora não tem obrigação de indenizar suicídio cometido dentro do prazo de carência de dois anos da assinatura do contrato de seguro de vida. Verifica-se, portanto, que, as Súmulas 105 do STF e 61 do STJ tendem a ser canceladas.Verifica-se portanto que, ao que tudo indica, as Súmulas ns. 105 do STF e 61 do STJ tendem a ser canceladas.

 


[1] Cf. STJ - Voto da Ministra NANCY ANDRIGHI (Relatora) no REsp 1188091 MG, 3ª Turma, DJe 06/05/2011.

[2] Idem.

[3] Cf. STJ - AgRg no Ag 1244022 RS, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, 2ª Seção, DJe 25/10/2011

[4] Cf. STJ - Voto da Ministra Nancy Andrighi no REsp 1077342 MG, Rel. Min. MASSAMI UYEDA, 3ª Turma,

DJe 03/09/2010

[5] Cf. STJ - REsp 1077342 MG, Rel. Min. Massami Uyeda, 3ª Turma, DJe 03/09/2010.

[6] Cf. STJ - AgRg no AREsp 42273 RS, Rel. Min, Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, DJ 18/10/2011.

[7] O Ministro Paulo de Tarso Sanseverino proferiu voto adotando a linha jurisprudencial fixada pela 2ª Seção do STJ em 2011. Ministro destacou o seguinte: “A partir da conjugação desses métodos hermenêuticos [interpretação sistemática e teleológica do art. 798 do CC⁄20020], concluiu-se que o sentido correto do enunciado normativo em questão é de que, no caso de suicídio do segurado dentro do período de dois anos, compete à seguradora o ônus da prova da premeditação. Essa orientação mostra-se correta, pois a boa-fé (subjetiva) é presumida, devendo ser comprovada a má fé de qualquer pessoa na condução dos seus negócios e demais atos da vida civil. Isso mostra-se especialmente adequado no caso de suicídio do segurado em contrato de seguro de vida, por constituir ato de extremo desespero vital, decorrendo de grave moléstia psíquica, infelizmente cada vez mais comum na sociedade contemporânea, que é a depressão. Assim, não é crível presumir, de forma absoluta, mesmo por decreto, a premeditação ou a má fé do segurado, que pratica esse ato extremo. Naturalmente, pode ocorrer, em alguns casos, a premeditação do suicídio pelo segurado, mas o ônus probatório será da própria seguradora, conforme corretamente fixado pela jurisprudência desta Segunda Seção” (STJ - REsp: 1334005 GO, Rel. Min. PAULO DE TARSO SANSEVERINO, 2ª Seção, DJe 23/06/2015).

[8] Cf. STJ - REsp 1334005 GO, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, 2ª SEÇÃO, DJe 23/06/2015.

ATUALIZAÇÃO N. 18: CANCELAMENTO da Súmula 470

Conforme apontamos na ATUALIZAÇÂO N. 11 deste BLOG, a Súmula 470 do STJ foi SUPERADA em virtude do entendimento firmado pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no RE 631111 GO, julgado em 6 e 7 de agosto de 2014.

Mais recentemente, em razão dessa decisão do STF, que foi proferida em repercussão geral, o Superior Tribunal de Justiça enfim promoveu o CANCELAMENTO da Súmula 470, após o julgamento do REsp 858056 na sessão do dia 27 de maio.

Vale dizer: é pacífico o entendimento de que o Ministério Público possui legitimidade para ajuizar ação coletiva em defesa dos beneficiários do seguro DPVAT, pois trata-se de demanda referente a direitos individuais homogêneos.

Ora, esta legitimidade do Ministério Público para tutelar em juízo direitos individuais homogêneos se configura independe de previsão normativa ordinária, pois a lesão a tais direitos compromete também interesses sociais, com base no art. 127 da CF (que atribui ao MP a incumbência de defender “interesses sociais”). 

Sobre o tema, recomendamos a leitura da ATUALIZAÇÂO N. 11 deste BLOG.