Este blog foi criado para fornecer as atualizações da obra Direito Sumular STF & STJ, que são periodicamente elaboradas pela autora na forma de artigos jurídicos publicados em diversas revistas e periódicos. Disponibilizaremos também outros trabalhos acadêmicos da autora, bem como matérias, notas e notícias.

Do Prefácio - Ministro Luiz Fux
Ministro do Supremo Tribunal Federal
Professor Titular de Direito Processual da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)



segunda-feira, 27 de abril de 2015

Leia a entrevista completa da Dra. Alice Saldanha Villar no site Brasil Notícia




Link da entrevista:
http://www.brasilnoticia.com.br/entrevista-da-semana/livro-traz-comentarios-e-interpretacoes-sobre-sumulas/54876

ATUALIZAÇÃO N. 14: Nova Súmula 522 do STJ comentada

Nova Súmula 522 do STJ: falsa identidade perante autoridade policial é crime

Segundo a nova Súmula 522 do STJ é típica a conduta de atribuir-se falsa identidade perante autoridade policial, ainda que em situação de alegada autodefesa. O presente artigo tem por objetivo esclarecer os fundamentos desse novo enunciado sumular.

Sumário: 1. Introdução. 2. A revisão da jurisprudência do STJ e criação da Súmula 522. 3. Conclusão.

1. INTRODUÇÃO

A controvérsia que deu origem à Súmula 522 do STJ girava em torno na seguinte questão: na garantia constitucional de permanecer calado (art. 5º, LXIII da CF⁄88) estaria englobada a utilização de identidade falsa perante autoridade policial em situação de autodefesa?

Em outras palavras: o princípio constitucional da autodefesa comportaria interpretação extensiva para alcançar a conduta daquele que se apresenta com nome falso com o fim de livrar-se de uma prisão ou ocultar o seu passado criminoso?

Em observância à orientação fixada pelo STF no RE 640139 DF (DJe 14/10/2011), o STJ revê sua jurisprudência e passa a afirmar que o princípio constitucional da autodefesa não alcança aquele que atribui-se falsa identidade, perante autoridade policial, ainda que em situação de autodefesa.

Este novo entendimento do STJ culminou na publicação da Súmula 522, em abril de 2015. Nosso artigo apresenta uma breve exposição da evolução da jurisprudência dos tribunais superiores sobre a matéria, a fim de esclarecer os fundamentos do comando desse novo verbete sumular.

2. A REVISÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ E CRIAÇÃO DA SÚMULA 522

Durante anos, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça foi firme no sentido de que não comete crime de falsa identidade (art. 307 do CP) aquele que, diante da autoridade policial, identifica-se com nome falso, em atitude de autodefesa.

Sendo assim, não praticaria o crime previsto no art. 307 do CP aquele que se apresenta com nome falso com o fim de livrar-se de uma prisão ou ocultar o seu passado criminoso. Tal conduta, na visão do STJ, caracterizaria o exercício de autodefesa, amparado pela garantia constitucional de permanecer calado, prevista no art. 5º, LXIII da CF⁄88. [1]

Verbis:

  • CF/88. Art. 5º, LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;

Ocorre que, em outubro de 2011, ao julgar com repercussão geral o mérito do RE 640139 DF (DJe 14/10/2011), o Supremo Tribunal Federal sedimentou o entendimento de que o princípio constitucional da autodefesa não alcança aquele que atribui falsa identidade, perante autoridade policial, com o intento de ocultar maus antecedentes, sendo, portanto, típica a conduta praticada pelo agente.

Confira a ementa do referido julgado:

CONSTITUCIONAL. PENAL. CRIME DE FALSA IDENTIDADE. ARTIGO 307 DO CÓDIGO PENAL. ATRIBUIÇAO DE FALSA IDENTIDADE PERANTE AUTORIDADE POLICIAL. ALEGAÇAO DE AUTODEFESA. ARTIGO 5º, INCISO LXIII, DA CONSTITUIÇÃO. MATÉRIA COM REPERCUSSAO GERAL. CONFIRMAÇAO DA JURISPRUDÊNCIA DA CORTE NO SENTIDO DA IMPOSSIBILIDADE. TIPICIDADE DA CONDUTA CONFIGURADA. O princípio constitucional da autodefesa (art. 5º, inciso LXIII, da CF/88) não alcança aquele que atribui falsa identidade perante autoridade policial com o intento de ocultar maus antecedentes, sendo, portanto, típica a conduta praticada pelo agente (art. 307 do CP). O tema possui densidade constitucional e extrapola os limites subjetivos das partes. (...)” STF - RE 640139 DF, Rel. Min. Dias Toffoli , DJe 13/10/2011.

Posteriormente, o STJ reviu sua jurisprudência para adotar a interpretação da Carta Margna firmada pelo STF. O Superior Tribunal de Justiça passou a aplicar o entendimento de que tanto o uso de documento falso (art. 304 do CP), quanto a atribuição de falsa identidade (art. 307 do CP), ainda que utilizados para fins de autodefesa, visando a ocultação de antecedentes, configuram crime. Este entendimento culminou na edição da Súmula 522 do STJ, verbis:

  • Súmula 522: A conduta de atribuir-se falsa identidade perante autoridade policial é típica, ainda que em situação de alegada autodefesa.

De fato, como bem destacou o ilustre Ministro Marco Aurélio Bellizze: [2]

“a compreensão firmada pelos membros da Suprema Corte não merece reparos, visto que não se pode negar que a atribuição a si próprio de falsa identidade com o intuito de ocultar antecedentes criminais não encontra amparo na garantia constitucional de permanecer calado, tendo em vista que esta abrange tão somente o direito de mentir ou omitir sobre os fatos que lhe são imputados e não quanto à sua identificação.”

Nessa linha, confira:

“(...) 1. O uso de documento falso com a finalidade de evitar que o réu seja novamente recolhido à prisão não pode ser considerado como exercício de autodefesa. 2. A utilização de documento público em benefício do agente e em detrimento do Estado, configura ofensa à fé pública e não se confunde com a figura típica prevista no art. 307 do Código Penal. (...)” STJ - HC 197447 SP, Rel. Min. OG Fernandes , DJe de 9/11/2011.

“(...) 1. Portar documento falso para ocultar o fato de ser foragido da Justiça não configura a hipótese de autodefesa, consagrada no art. 5.º, inciso LXIII, da Constituição Federal, mas sim da prática delitiva tipificada no artigo 304 do Código Penal. Precedentes. 2. Recurso ministerial provido para, cassando o acórdão recorrido, determinar que o Tribunal a quo, considerando a tipicidade da conduta, prossiga no julgamento da apelação criminal. (...)” STJ - REsp 1134497 SP, Rel. Min. Laurita Vaz , DJe 3/11/2011.

“(...) 3. A Sexta Turma deste Superior Tribunal de Justiça, alinhando-se à posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal, firmou a compreensão de que tanto a conduta de utilizar documento falso como a de atribuir-se falsa identidade, para ocultar a condição de foragido ou eximir-se de responsabilidade, caracterizam, respectivamente, o crime do art. 304 e do art. 307 do Código Penal, sendo inaplicável a tese de autodefesa. (...)” STJ - HC 156087 SP, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJe 05/09/2012

3. CONCLUSÃO

Em outubro de 2011, ao julgar com repercussão geral o mérito do RE 640139 DF, o STF definiu a interpretação correta a ser dada ao princípio constitucional da autodefesa, previsto no art. 5º, LXIII da CF⁄88.

Nesta ocasião, o STF afirmou que esta a garantia constitucional de permanecer calado não engloba a utilização de identidade falsa perante autoridade policial, ainda que em situação de autodefesa. Segundo o STF, a garantia constitucional do art. 5º, LXIII da CF abrange somente o direito de mentir ou omitir sobre os fatos que são imputados à pessoa e não quanto à sua identificação.

Com base nessa linha de raciocínio, o STJ reviu sua jurisprudência e passou a entender que tanto o uso de documento falso (art. 304 do CP), quanto a atribuição de falsa identidade (art. 307 do CP), ainda que utilizados para fins de autodefesa, configuram crime. Este entendimento deu origem à Súmula 522 do STJ.

Vale dizer: o acusado tem o direito de permanecer calado, protegido pelo artigo art. 5º, LXIII, da CF/88, mas não possui, entretanto, o direito de mentir a respeito de sua identidade perante a autoridade policial, sob pena de incorrer no crime de uso de documento falso (art. 304, CP) ou de falsa identidade (art. 307, CP).


[1] Cf., nessa linha, dentre outros: STJ - HC 88998 RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 5ª Turma, DJ 25/02/2008; STJ - HC 56.991/MS, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ 16/10/2006.

[2] Cf. STJ – Voto do Ministro Marco Aurélio Bellizze, no HC 168671 SP, 5ª Turma, DJe 30/10/2012;

ATUALIZAÇÃO N. 13: Termo a quo do prazo da ação rescisória" (Atualize os comentários à Súmula 401 do STJ)

STJ se alinha ao Novo CPC e muda seu entendimento sobre o dies a quo do prazo da ação rescisória

Resumo: Durante muito anos a jurisprudência do STJ foi no sentido de que o termo a quo do prazo para ajuizamento da ação rescisória seria o dia seguinte ao transito em julgado. Em dezembro de 2014, no julgamento do REsp 1112864 MG, a Corte Especial do STJ alterou esse entendimento. O presente artigo tem por objetivo explicar os fundamentos dessa nova orientação do STJ, bem como demonstrar que está de acordo com a regra do art. 975 do Novo CPC, que entrará em vigor em 16 de março de 2016. Com vistas a otimizar nossa familiarização com o Novo CPC, esse artigo apresenta uma breve análise comparativa do tratamento dado à matéria pelo antigo e pelo novo diploma processual.

Sumário: 1. Ação rescisória: noções gerais. 2. Requisitos para a propositura da ação rescisória. 3. Qual é o dies a quo da contagem do prazo de 2 anos para ajuizar a ação rescisória? 4. Cabe prorrogação do prazo da ação rescisória se cair em dia não útil?. Conclusão. Notas. Referências.

1. AÇÃO RESCISÓRIA: NOÇÕES GERAIS

A ação rescisória é uma ação autônoma de impugnação que se volta contra a decisão de mérito transitada em julgado, quando presente pelo menos uma das hipóteses previstas no art. 485 do CPC (correspondente ao art. 966 do NCPC). Trata-se, em verdade, de uma ação desconstitutiva ou constitutiva negativa, pois visa ao desfazimento da coisa julgada material formada em outro processo.

Conforme constata Fredie Didier[1]:

“A ação rescisória não é recurso, por atender à regra da taxatividade, ou seja, por não estar prevista em lei como recurso. (...) Eis porque a ação rescisória ostenta natureza jurídica de uma ação autônoma de impugnação: seu ajuizamento provoca a instauração de um novo processo, com nova relação jurídica processual.”

Para que se admita a ação rescisória, é preciso que haja, além das condições da ação e dos pressupostos processuais, a presença dos seguintes requisitos:

a) existência de uma decisão de mérito transitada em julgado;

b) a configuração de um dos fundamentos de rescindibilidade previstos no art. 485 do CPC (correspondente ao art. 966 do NCPC); e

c) o prazo decadencial de 2 anos previsto no art. 495 do CPC (correspondente ao art. 975 do NCPC).[2]

Cumpre destacar que não se insere entre os requisitos de admissibilidade da ação rescisória a necessidade de esgotamento de todos os recursos. O que se deve ter em vista é a impossibilidade de interposição de recurso, por ter escoado in albis o prazo recursal. Esse o raciocínio que deu origem à Súmula 514/STF: “Admite-se ação rescisória contra sentença transitada em julgado, ainda que contra ela não se tenha esgotado todos os recursos”.

Vale frisar: o esgotamento dos recursos disponíveis não configura requisito para a propositura da ação rescisória, de acordo com a Súmula 514/STF.[3] Dessa forma, admite-se a ação rescisória contra a sentença transitada em julgado ainda quando contra ela não se tenha usado de todos os recursos que a lei facultava. Ora, “decisão transitada em julgado” não é aquela que foi impugnada por todos os recursos possíveis, mas sim a que não admite mais impugnação, sendo irreformável.[4]

Recorde-se que “trânsito em julgado” é a expressão utilizada para indicar que não cabe mais recurso contra decisão judicial, seja porque as partes não apresentaram o recurso no prazo em que a lei estabeleceu, seja porque esgotou-se a sequência de recursos cabíveis.

Passemos agora ao exame de cada um dos mencionados requisitos para a propositura da ação rescisória.

2. REQUISITOS PARA A PROPOSITURA DA AÇÃO RESCISÓRIA

Para que se admita a ação rescisória, é preciso que haja, além das condições da ação e dos pressupostos processuais, a presença dos seguintes requisitos:

a) Existência de uma decisão de mérito transitada em julgado

O art. 485 do CPC dispõe apenas que a sentença de mérito, transitada em julgado pode ser objeto de rescisão. Confira:

  • CPC. Art. 485. A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando:

A interpretação literal desse dispositivo, portanto, afastaria de plano a possibilidade do manejo de ação rescisória contra decisões interlocutórias.

Na jurisprudência do STJ, embora haja precedentes no sentido do descabimento de rescisória em face de decisão interlocutória,[5] vem prevalecendo o entendimento no sentido da possibilidade de rescisão dessa espécie de decisão.[6]

Admitindo a rescindibilidade de decisões interlocutórias, confira:

“(...) 1.- A jurisprudência desta Corte admite a Ação Rescisória no caso de falsa decisão interlocutória, isto é, de sentenças substancialmente de mérito, entendido como o núcleo da pretensão deduzida em Juízo, o que se evidencia em situações como a de rejeição de pedidos cumulados ou julgamento incidental de reconvenção (REsp 628.464/GO, Rel. Min. Nancy Andrighi). 2.- A decisão que fixa termo inicial de correção monetária, entretanto, não julga mérito, configurando, pois, decisão propriamente interlocutória e não de mérito travestida de interlocutória. 3.- Recurso Especial não conhecido.” (...)” STJ - REsp 685738 PR, Rel. Min. Sidnei Beneti, 3ª Turma, DJe 03/12/2009

“(...) Em face do art. 485 do CPC, que se refere à ‘sentença de mérito’, doutrina e jurisprudência, no geral, entendem como possível o juízo rescindendo de decisão interlocutória apenas em situações muito específicas. (...)” STJ - REsp 628464 GO, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, DJ 27/11/2006

“(...) A ação rescisória pode ser utilizada para a impugnação de decisões com conteúdo de mérito e que tenham adquirido a autoridade da coisa julgada material. Em que pese incomum, é possível que tais decisões sejam proferidas incidentalmente no processo, antes da sentença. Isso pode ocorrer em três hipóteses: (i) em diplomas anteriores ao CPC/73; (ii) nos processos regulados pelo CPC em que, por algum motivo, um dos capítulos da sentença a respeito do mérito é antecipadamente decidido, de maneira definitiva; e, finalmente (iii) sempre que surja uma pretensão e um direito independentes do direito em causa, para serem decididos no curso do processo. Exemplo desta última hipótese é a definição dos honorários dos peritos judiciais e do síndico na falência: o direito à remuneração desses profissionais nasce de forma autônoma no curso do feito, e no próprio processo é decidido, em caráter definitivo. Não há por que negar a via da ação rescisória para impugnar tal decisão.(...)” STJ - REsp 711794 SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, DJ 23/10/2006.

Numa palavra: o STJ passou a entender cabível o ajuizamento de ação rescisória contra decisões interlocutórias de mérito. Vale frisar: não é qualquer decisão interlocutória transitada em julgado que ensejaria a ação rescisória, mas somente aquela de mérito, capaz de ser acobertada pela coisa julgada.

Nessa linha, afirmando ser cabível, em caráter excepcional, ação rescisória contra decisão interlocutória, Bernardo Pimental Souza[7] assim expôs:

“Até mesmo as decisões interlocutórias são passíveis de impugnação por meio de ação rescisória, ainda que excepcionalmente. Basta imaginar a hipótese de o juiz de primeiro grau pronunciar a decadência ou a prescrição, alcançando apenas um dos litisconsortes ativos. Como o processo segue em razão da ação remanescente relativa ao outro litisconsorte, tem-se que o pronunciamento jurisdicional é mera decisão interlocutória, apesar de ter versado sobre matéria de mérito.”

Também nesse sentido, segue a doutrina de Cândido Rangel Dinamarco:[8]

“Uma interpretação sistemática do art. 485, caput, do Código de Processo Civil, conduzida pela lógica do razoável, impõe o entendimento de que o emprego da locução sentença de mérito é substancialmente destinado a indicar a rescindibilidade dos atos judiciais sobre o meritum causae . Como esses pronunciamentos judiciais deveriam vir sempre em uma sentença, então falou ele em sentenças de mérito; mas, surgindo na experiência concreta uma decisão atípica, como essa aqui examinada, prevalece a substância do preceito ditado em lei e não as formas de sua expressão verbal. (...) Mas a decisão interlocutória que solucionar o mérito, (...), será uma decisão de mérito e como tal deve ser tratada. Ser interlocutória significa somente ser proferida no curso do processo, sem pôr fim à fase cognitiva nem determinar o exaurimento do procedimento em primeiro grau jurisdicional; não significa não ser de mérito, embora o legislador não houvesse cogitado de decisões interlocutórias de mérito”.

Na mesma linha de raciocínio, leciona Humberto Theodoro Júnior[9] que:

“se se enfrentou matéria de mérito (...), mesmo sob a forma de decisão incidental, terá havido, para efeito da ação rescisória, sentença de mérito. Sob esse enfoque, o Supremo Tribunal Federal decidiu que ‘é cabível ação rescisória contra despacho do relator que, no STF, nega seguimento a agravo de instrumento, apreciando o mérito da causa discutido no recurso extraordinário’ - STF, AR nº 1.154-6-SP, Rel. Min. Moreira Alves, ac. de 15.03.84, in RT, 593/241”.

O Novo CPC consagrou a possibilidade do ajuizamento da ação rescisória contra decisões interlocutórias de mérito. O seu artigo 966 (correspondente ao caput do art. 485 do CPC/73) ganhou a seguinte redação:

  • NCPC. Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: (...)

Isso significa que, além das sentenças e dos acórdãos, também as decisões interlocutórias de mérito (desde que transitadas materialmente em julgado) podem ser objeto de rescisão.[10]

b) A configuração de um dos fundamentos de rescindibilidade do art. 485 do CPC

As hipóteses de cabimento da ação rescisória estão previstas no art. 485 do atual CPC. No Novo CPC, a matéria vem disciplinada no art. 966, que além de aperfeiçoar a redação do dispositivo, ampliou as hipóteses de cabimento, passando a admitir a rescisória nos casos de coação da parte vencedora em detrimento da vencida e simulação entre as partes com o objetivo de fraudar a lei (inc. III). Por outro lado, o NCPC suprimiu a rescisória prevista no inc. VIII do CPC atual (VIII - houver fundamento para invalidar confissão, desistência ou transação, em que se baseou a sentença;). Ora, nesse caso, a hipótese é de ação anulatória, nos termos do § 4º do art. 966 do NCPC.

Vale também observar que o art. 966 do novo diploma, em seu § 2º, admite que, nas hipóteses previstas nos incisos do caput, seja rescindível a decisão transitada em julgado que, embora não seja de mérito, impeça: I - nova propositura da demanda; ou II - admissibilidade do recurso correspondente.

Por sua vez, o § 3º do art. 966 afirma expressamente que “a ação rescisória pode ter por objeto apenas 1 (um) capítulo da decisão”. Assim, dispositivo permite que a ação rescisória seja parcial, ou seja, direcionada a apenas uma dos capítulos da decisão rescindenda.

O § 4º do art. 966 afirma expressamente que “os atos de disposição de direitos, praticados pelas partes ou por outros participantes do processo e homologados pelo juízo, bem como os atos homologatórios praticados no curso da execução, estão sujeitos à anulação, nos termos da lei”. O comando desse dispositivo corresponde, portanto, ao art. 486 do CPC/73: “Os atos judiciais, que não dependem de sentença, ou em que esta for meramente homologatória, podem ser rescindidos, como os atos jurídicos em geral, nos termos da lei civil.”

c) O prazo decadencial de 2 anos previsto no art. 495 do CPC

O art. 495 do atual Código de Processo Civil especificou que o prazo para propor a rescisória é de decadência, sendo de 2 anos contado do trânsito em julgado da decisão. Vejamos:

  • CPC/73. Art. 495. O direito de propor ação rescisória se extingue em 2 (dois) anos, contados do trânsito em julgado da decisão. (grifo nosso)

Surge daí a seguinte dúvida: o artigo 495 do CPC/73 refere-se ao transito em julgado de que decisão?

Apenas para não perder o prumo, vale lembrar que a chamada “coisa julgada material” é a qualidade conferida por lei à sentença/acórdão que resolve todas as questões suscitadas pondo fim ao processo, extinguindo, pois, a lide. Ora, sendo a ação una e indivisível, não há que se falar em fracionamento da sentença/acórdão, o que afasta a possibilidade do seu trânsito em julgado parcial.

Com base nesse raciocínio, o STJ firmou o entendimento de que o prazo decadencial de 2 anos para a propositura da ação rescisória teria início com o trânsito em julgado material, o qual somente ocorre quando esgotada a possibilidade de interposição de qualquer recurso, sendo incabível o trânsito em julgado de capítulos da sentença ou do acórdão em momentos diversos. Numa palavra: não existe no ordenamento jurídico brasileiro a chamada “coisa julgada material de capítulos de sentença”, também conhecida como “coisa julgada fatiada”.

Nesse sentido:

“O entendimento adotado pelo STJ ao unificar o termo inicial para a propositura da ação rescisória, qual seja, o último pronunciamento judicial sobre algum dos capítulos da sentença ou do acórdão rescindendo, independentemente do suposto trânsito em julgado de outros pontos, leva em consideração que o trânsito em julgado, como requisito para a ação rescisória (art. 485, caput, do CPC), somente se opera no momento em que a decisão proferida no processo não seja suscetível de nenhum recurso (art. 467 do CPC), além da circunstância de o desmembramento da sentença ou do acórdão em capítulos para fins de ajuizamento da ação rescisória gerar indesejável insegurança jurídica para as partes. Nesse ponto, no entanto, não se desconhece que o projeto do novo Código de Processo Civil que tramita no Senado Federal propõe a coisa julgada progressiva. Também a Primeira Turma do egrégio Supremo Tribunal Federal vem de adotar, em recente julgado de relatoria do Ministro MARCO AURÉLIO, entendimento segundo o qual o prazo decadencial de ação rescisória, nos casos de existência de capítulos autônomos, deve ser contado do trânsito em julgado de cada decisão (RE n. 666.589/DF, DJe de 3.6.2014). Em tais condições, caso mantida a proposta do novo Código de Processo Civil e eventual alteração da jurisprudência do egrégio Supremo Tribunal Federal, no tempo oportuno, a Corte deverá promover novo exame do enunciado n. 401 da Súmula deste Tribunal” (STJ – Voto do Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira no REsp 736650 MT, Corte Especial, DJe 01/09/2014)

Sendo assim, o prazo decadencial para o ajuizamento da ação rescisória tem início com o trânsito em julgado da decisão proferida no último recurso apresentado contra o julgado rescindendo. Excepciona-se dessa regra, tão-somente, as hipóteses em que o recurso é extemporaneamente apresentado ou quando seja demonstrado o comportamento malicioso do apelante, que age de má-fé para reabrir prazo recursal já vencido.

Esta é a tese que tem acolhida na jurisprudência do STJ e ficou bem explicitada no precedente a seguir transcrito:

“(...) Não se admite a coisa julgada por capítulos, uma vez que tal exegese pode resultar em grande conturbação processual, na medida em que se torna possível haver uma numerosa e indeterminável quantidade de coisas julgadas em um mesmo feito, mas em momentos completamente distintos e em relação a cada parte. - O trânsito em julgado ensejador do pleito rescisório não se aperfeiçoa em momentos diversos (por capítulos), sendo único para todas as partes, independentemente de haverem elas recorrido ou não. Assim, o interregno autorizativo da ação rescisória (art. 495 do CPC) somente deve ter início após proferida a última decisão na causa, concretizando-se a coisa julgada material. - Excepciona-se dessa regra, tão-somente, as hipóteses em que o recurso é extemporaneamente apresentado ou que haja evidenciada má-fé da parte que recorre. (...)” STJ - REsp 639233 DF, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, 1ª Turma, DJ 14/09/2006.

Em suma: segundo o STJ, o prazo decadencial de 2 anos para a propositura da ação rescisória se inicia com o trânsito em julgado da última decisão proferida no processo, que se aperfeiçoa com o exaurimento dos recursos cabíveis ou com o transcurso do prazo recursal.

O Novo CPC consagrou esse entendimento no art. 975 (art. 495 do CC/73). Confira:

  • NCPC. Art. 975.  O direito à rescisão se extingue em 2 (dois) anos contados do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo. (grifo nosso)

Nesse momento, cumpre ingadar: Qual seria o dies a quo da contagem desse prazo de 2 anos para ajuizar a ação rescisória? É o que veremos a seguir.

3. QUAL É O DIES A QUO DA CONTAGEM DO PRAZO DE 2 ANOS PARA AJUIZAR A AÇÃO RESCISÓRIA?

No Superior Tribunal de Justiça, grandes controvérsia surgiram a respeito da definição do termo inicial do biênio decadencial para se propor a ação rescisória (se do dia do trânsito em julgado ou do dia seguinte ao trânsito em julgado).

Durante muito anos a jurisprudência do STJ foi no sentido de que o termo a quo do prazo para ajuizamento da ação rescisória seria o dia seguinte ao transito em julgado. Essse entendimento partia do pressuposto de que o trânsito em julgado ocorreria no último dia para a interposição do recurso cabível. Assim, a contagem do prazo para propor a ação rescisória não teria início no mesmo dia em que a decisão transita em julgado e sim no dia seguinte.

Nessa linha, confira: [11]

“(...) 1. O prazo bienal previsto no artigo 495 do CPC para propositura da ação rescisória conta-se a partir do dia seguinte ao trânsito em julgado da última decisão proferida nos autos, ou seja, quando não for cabível a interposição de qualquer recurso pelas partes litigantes. Escoado o prazo legal , impõe-se reconhecer o instituto da decadência, julgando-se extinto o processo, com resolução de mérito, nos termos do artigo 269, IV, do Código de Processo Civil. (...)” STJ - AgRg na AR 3.792/PR, 1ª Seção, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 4/09/2014 (grifo nosso)

“(...) 3. O prazo de decadência para a propositura da ação rescisória vem previsto no artigo 495 do CPC, que assim dispõe, verbis: O direito de propor ação rescisória se extingue em 2 (dois) anos, contados do trânsito em julgado da decisão.
4. Deveras, a decisão transita em julgado ou faz coisa julgada material na exata dicção da legislação processual civil quando resta ao desabrigo de qualquer recurso. Sob esse enfoque di-lo o Art. 467 – Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário.
5. Consectariamente, é mister aguardar o trânsito em julgado da decisão de mérito para que se possa inaugurar o prazo decadencial da ação autônoma de impugnação, razão pela qual, uma decisão não pode ser considerada transitada em julgado se ainda potencialmente passível de recurso. É dizer: subjaz juridicamente impossível que o prazo da ação rescisória inicie-se no mesmo dia em que a decisão transita em julgado.
6. A fortiori, irrefutável a jurisprudência da Corte no sentido de que o prazo decadencial da ação rescisória somente se inicia no dia seguinte ao trânsito em julgado (...)” STJ - EREsp: 341655 PR, Rel. Min. Laurita Vaz, Corte Especial, DJe 04/08/2008 (grifo nosso)

Ocorre que, em dezembro de 2014, no julgamento do REsp 1112864 MG, a Corte Especial STJ reviu sua jurisprudência sobre o tema e afirmou que o equívoco da jurisprudência até então prevalecente estaria justamente na indicação do dia do transito em julgado. Na verdade, para se saber qual é o dies a quo do prazo bienal para a ação rescisória, primeiro é necessário estabelecer o dia preciso em que ocorre trânsito em julgado.

Cumpre então indagar: em que momento ocorre o trânsito em julgado?

A teor do disposto no § 3º do art. 6º da Lei de Introdução ao Código Civil, “chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba mais recurso”, bem assim no art. 467 do CPC de 1973 estabelece que “denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário”.

Vale observar que, no NCPC, a regra do art. 467 do CPC/73 vem expressa no art. 502, que ganhou a seguinte redação: “Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso”.

Note-se que o Novo CPC conserva a iniciativa do art. 467 do CPC atual ao conceituar coisa julgada. No entanto, o texto substitui “sentença” por “decisão de mérito”, o que é é absolutamente consentâneo com o sistema do novo CPC, que admite decisões interlocutórias de mérito. Além disso, o novo CPC substitui a palavra “eficácia” por “autoridade”, o que se coaduna com o a doutrina de Liebman sobre o instituto da coisa julgada. [12] Vale lembrar que “o primeiro grande mérito da doutrina de Liebman é o de enxergar na coisa julgada não um efeito da sentença, como sustentado na doutrina tradicional, mas, sim, uma qualidade dos efeitos da sentença, qual seja, a sua imutabilidade”.[13]

Segundo Furlan: [14]

“Em suma, para Liebman, a autoridade da coisa julgada é a imutabilidade do comando emergente da sentença, ou seja, a qualidade que reveste o ato em seu conteúdo, tornando-o imutável, assim como seus efeitos. Reconhece que a autoridade da coisa julgada não recai tão somente sobre os efeitos declaratórios, mas cobre igualmente os elementos constitutivos e condenatórios da sentença.”

À luz do que até agora foi exposto, podemos concluir o seguinte: só há trânsito em julgado quando não mais couber recurso. Dessa forma, podemos concluir que há trânsito em julgado no dia imediatamente subsequente ao último dia do prazo para o recurso em tese cabível contra a última decisão proferida na causa. [15]

Como observou a ilustre Ministra Laurita Vaz, dispõe o art. 495 do CPC, in verbis : “O direito de propor ação rescisória se extingue em 2 (dois) anos, contados do trânsito em julgado da decisão .” E não do “dia seguinte” ao trânsito em julgado.

Em suas palavras: [16]

“Diante da aparente incongruência é que suponho, passou-se a adotar a saída possível para o impasse, qual seja, dizer que o termo inicial do prazo bienal é o “dia seguinte” ao do trânsito em julgado; quando, na realidade, o equívoco está justamente na indicação do dia do trânsito em julgado. Entretanto, se corrigida essa imprecisão, o “remendo” mostra-se desnecessário, preservando a disposição expressa da lei, que, ao fixar o termo inicial do prazo decadencial, aponta simplesmente o trânsito em julgado, não o “dia seguinte”.”

Vale frisar: o termo inicial para o ajuizamento da ação rescisória coincide com a data do trânsito em julgado da decisão rescindenda.

A propósito, confira-se trecho do referido julgado:

“O termo “a quo” para o ajuizamento da ação rescisória coincide com a data do trânsito em julgado da decisão rescindenda. O trânsito em julgado, por sua vez, se dá no dia imediatamente subsequente ao último dia do prazo para o recurso em tese cabível.” STJ - REsp 1112864 MG, Rel. Min. Laurita Vaz, Corte Especial, DJe 17/12/2014.

Confira também precedentes do STJ e do STF:

“(...) O prazo decadencial para propositura de ação rescisória começa a correr da data do trânsito em julgado da sentença rescindenda, incluindo-se-lhe no cômputo o dia do começo, e sua consumação deve pronunciada de ofício a qualquer tempo, ainda quando a tenha afastado, sem recurso, decisão anterior. (...” STF - AR 1412 SC , Rel. Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno, DJe 26/06/2009

“(...) O termo inicial de prazo de decadência para a propositura da ação rescisória coincide com a data do trânsito em julgado do título rescindendo. Recurso inadmissível não tem o efeito de empecer a preclusão - “Comentários ao Código de Processo Civil”, José Carlos Barbosa Moreira, volume 5, Editora Forense. (STF - AR: 1472 DF , Rel. Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, DJe 07/12/2007

“(...) 1. A decadência do direito de desconstituir, em ação rescisória, a coisa julgada material implementa-se no prazo de dois anos iniciado no dia seguinte ao término do prazo para a interposição do recurso em tese cabível contra o último pronunciamento judicial. 2. Inobservância, quando do ajuizamento da ação rescisória, do prazo bienal de decadência. 3. A certidão emitida por funcionário do Poder Judiciário informa apenas a ocorrência, e não a data exata, do trânsito em julgado. (...)” STJ - AR 4374 MA, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, 2ª Seção, DJe 05⁄06⁄2012

4. CABE PRORROGAÇÃO DO PRAZO DA AÇÃO RESCISÓRIA SE CAIR EM DIA NÃO ÚTIL?

De acordo com a doutrina pátria[17], o prazo para a ação rescisória é decadencial e, por isso, não estaria sujeito a suspensão ou interrupção. Não obstante, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que, se o termo final do prazo para ajuizamento da ação rescisória recair em dia não útil, prorroga-se para o primeiro dia útil subsequente.

Vale dizer: “o termo final do prazo para o ajuizamento da ação rescisória, embora decadencial, prorroga-se para o primeiro dia útil subsequente, se recair em dia de não funcionamento da secretaria do Juízo competente”.[18]

Nesse sentido:

“PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. TERMO INICIAL DO PRAZO DE DOISANOS. RECURSO CONSIDERADO INEXISTENTE. TRÂNSITO EM JULGADO DADECISÃO QUE APRECIOU O ÚLTIMO RECURSO INTERPOSTO. SÚMULA 401/STJ. PRAZO DECADENCIAL. TÉRMINO EM DIA NÃO-ÚTIL. PRORROGAÇÃO. PRIMEIRODIA ÚTIL SEGUINTE. PRECEDENTE DA CORTE ESPECIAL.AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. (STJ - AgRg no REsp: 1231666 BA 2011/0012811-8, Relator: Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, Data de Julgamento: 17/04/2012, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/04/2012

“(...) 1. O Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento no sentido de que, não obstante o prazo para ajuizamento da ação rescisória seja decadencial, se o seu termo final ocorrer em dia não-útil, prorroga-se para o dia útil subsequente. (...) STJ - AgRg no REsp: 966017 RO Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, 5ª Turma, DJe 09/03/2009.

“(...) Ainda que decadencial, o prazo para ajuizamento da ação rescisória prorroga-se para o primeiro dia útil. (AgRg no Resp 747.308/DF, DJ 19/03/2007, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros) 6. No mesmo sentido: Resp 167.413/SP, DJ 24/08/1998, Rel. Min. Garcia Vieira; Resp 84.217/MG, DJ 03/02/1997, Rel. Min. Demócrito Reinaldo; Resp 51.968/SP, DJ 10/10/1994, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha; Enunciado nº 100 do TST: - IX - Prorroga-se até o primeiro dia útil, imediatamente subseqüente, o prazo decadencial para ajuizamento de ação rescisória quando expira em férias forenses, feriados, finais de semana ou em dia em que não houver expediente forense. Aplicação do art. 775 da CLT. (ex-OJ nº 13 da SBDI-2 - inserida em 20.09.00). (...)” STJ - EREsp 667672 SP, Rel. Min. José Delgado, Corte Especial, DJe 26/06/2008.

Consagrando este entendimento, o § 1º do art. 975 do Novo CPC estabeleceu o seguinte:

  • NCPC. Art. 975. (...) § 1º Prorroga-se até o primeiro dia útil imediatamente subsequente o prazo a que se refere o caput, quando expirar durante férias forenses, recesso, feriados ou em dia em que não houver expediente forense.

CONCLUSÃO

Durante muitos anos o STJ afirmou que o termo a quo do prazo decadencial de 2 anos para a propositura de ação rescisória seria o dia seguinte ao do trânsito em julgado da última decisão proferida na causa.

No entanto, no julgamento do REsp 1112864 MG a Corte Especial passou entender o seguinte: o termo a quo para o ajuizamento da ação rescisória coincide com a data do trânsito em julgado da última decisão proferida nos autos. Em outras palavras, o prazo de 2 anos para o ajuizamento da ação rescisória deve ser contado da data do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo.

Esta orientação está perfeitamente alinhada com regra do art. 495 do atual CPC (“O direito de propor ação rescisória se extingue em 2 (dois) anos, contados do trânsito em julgado da decisão .”), bem como do art. 975 do Novo CPC (“O direito à rescisão se extingue em 2 (dois) anos contados do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo.”)

Perceba-se que a lei fala em “2 (dois) anos contados do transito em julgado”. Cumpre então indagar: em momento ocorre o trânsito em julgado? Ora, só há trânsito em julgado quando não mais couber recurso. Assim, por óbvio, o trânsito em julgado ocorre no dia imediatamente seguinte ao último dia do prazo para o recurso em tese cabível contra a última decisão proferida na causa.

Ressalte-se que se o termo final do prazo para o ajuizamento da ação rescisória recair em dia de não funcionamento da secretaria do Juízo competente, será então prorrogado para o primeiro dia útil subsequente, apesar de se tratar de prazo decadencial. Esta regra foi acolhida no § 1º do art. 975 do Novo CPC.

REFERÊNCIAS

BUENO. Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil Anotado. São Paulo:Saraiva, 2015.

DIDIER JÚNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de direito processual civil. Vol. 3, 11ª ed., Salvador: JusPODIVM, 2013

DINAMARCO, Cândido Rangel Nova Era do Processo Civil. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 291-292.

FURLAN, Alessandra Cristina. Coisa Julgada nas Ações Coletiva. Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2000.

MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil: Comentado Artigo por Artigo, 5.ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 521; ALVIM , J. E. Carreira. Ação Rescisória Comentada, Curitiba: Juruá, 2009.

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil, Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Vol. V: arts. 476 a 565, 17.ª, Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 218-220;

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil.Vol. único, 3ª ed. São Paulo: Ed. Método, 2009.

SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória , 3ª ed., São Paulo: Saraiva, 2004.

THEODORO JR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil - Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento . Vol. I, 47ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007.

VITAGLIANO, José Arnaldo. Coisa Julgada e Ação Anulatória. Curitiba: Juruá, 2004.

Alice Saldanha Villar

Advogada e autora dos livros “Direito Sumular - STF” e Direito Sumular - STJ”, Editora JHMIZUNO, São Paulo, 2015 - Prefácio do Ministro Luiz Fux.

 


[1] Cf. DIDIER JÚNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. Curso de direito processual civil. Vol. 3, 11ª ed., Salvador: JusPODIVM, 2013, p 392

[2] Idem.

[3] Cf. STJ – Voto do Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO no AR 2845 RS, 2ª Seção, DJe 14/12/201

[4] Cf., na mesma linha: Inteiro teor do AR 172 (DJ 25/10/1968) e do RE 6364 (DJ 29/12/1949)

[5] Cf., nessa linha: AR 3.616/PE, Rel. Min. Humberto Martins, DJ 19/9/2006; AR 3.279/RJ, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 3/1/2005; AR 522/DF, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, 2ª Seção, DJ 14/9/98.

[6] Cf., dentre outros: STJ - REsp 628.464/GO, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJ 27/11/2006; e REsp 100.902/BA, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, Quarta Turma, DJ 29/9/97

[7] Cf. SOUZA, Bernardo Pimentel. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória , 3ª ed., São Paulo: Saraiva, 2004, p. 724

[8] Cf. DINAMARCO, Cândido Rangel Nova Era do Processo Civil. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 291-292.

[9] Cf. THEODORO JR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil - Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento . Vol. I, 47ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 771

[10] Cf. BUENO. Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil Anotado. São Paulo:Saraiva, 2015, p. 605

[11] Cf., na mesma linha, os seguintes precedentes: AgRg no Ag 175140 GO, Rel. Ministro Ari Pargendler, 3ª Turma, DJ 11.06.2001; AR 377 DF, Rel. Ministro Paulo Gallotti, 3ª Seção, DJ 13/10/2003 p. 225; REsp 12550 SP, Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, 4ª Turma, DJ 04/11/1996

[12] Cf., nesssa mesma linha: BUENO. Cassio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil Anotado. São Paulo:Saraiva, 2015, p. 605; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil.Vol. único, 3ª ed. São Paulo: Ed. Método, 2009, p. 533.

[13] Cf. VITAGLIANO, José Arnaldo. Coisa Julgada e Ação Anulatória. Curitiba: Juruá, 2004, p. 57.

[14] Cf. FURLAN, Alessandra Cristina. Coisa Julgada nas Ações Coletiva. Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2000, p. 102.

[15] Idem.

[16] Cf., nessa linha: STJ - Voto da Ministra Laurita Vaz (Relatora) no REsp 1112864 MG, Corte Especial, DJe 17/12/2014.

[17] Cf. MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil, Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Vol. V: arts. 476 a 565, 17.ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 218-220; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de Processo Civil: Comentado Artigo por Artigo, 5.ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 521; ALVIM , J. E. Carreira. Ação Rescisória Comentada, Curitiba: Juruá, 2009, p. 200.

[18] Cf. STJ - REsp 1112864 MG, Rel. Min. Laurita Vaz, Corte Especial, DJe 17/12/2014.

ATUALIZAÇÃO N. 12: Nova Súmula 521 do STJ comentada

Nova Súmula 521 do STJ define a competência para a execução da pena de multa em sede de condenação criminal

Na hipótese da pena da multa imposta em condenação criminal não ser paga, de quem será competência para promover a execução? A nova Súmula 521/STJ afirma que será da Fazenda Pública, e não do Ministério Público.

Resumo: com o advento da Lei n. 9.268/96, que deu nova redação ao artigo 51 do CPC, foi modificado o procedimento da execução da pena de multa imposta em condenação criminal. Passou-se a discutir se a execução da pena de multa não paga continuaria sendo procedida na Vara de Execuções Criminais, por intermédio do Ministério Público, ou se deveria ser na Vara da Fazenda Pública, por intermédio do Procurador da Fazenda. Em outras palavras: qual seria legitimidade ativa para promover a execução da pena de multa imposta em decorrência de processo criminal após o advento da Lei n. 9.268/96? Solucionando essa controvérsia, o STJ publicou a Súmula 521 e fixou o entendimento de que a competência é exclusiva da Fazenda Pública. Nosso artigo se destina a escarecer os fundamentos dessa decisão, bem como a responder as seguintes indagações: a) Como é o procedimento para execução dessa pena de multa? b) Esta execução será de atribuição da Fazenda Nacional ou Estadual? c) O prazo prescricional continua regido pelo CP ou passa a ser o do CTN? d) É possível a extinção do processo de execução penal na pendência do pagamento da pena de multa?

Sumário: 1. O que é a pena de multa?. 2. A multa como divida de valor: a nova redação do art. 51 do CP. 3. A controvérsia sobre competência para a execução da pena de multa: criação da Súmula 521 do STJ. 4. Como é o procedimento para execução da pena de multa? 5. A extinção do processo de execução penal na pendência do pagamento da pena de multa. Conclusão. Notas Referências.

1. O QUE É A PENA DE MULTA?

O Código Penal, em seu artigo 32, adotou as seguintes modalidades de pena:

a) Penas privativas de liberdade: Reclusão e detenção para crimes (art. 33) e prisão simples para contravenções penais (art. 6º do DL n. 3.688/41).

b) Penas restritivas de direitos: prestação pecuniária; perda de bens e valores; prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas; interdição temporária de direitos; limitação de fim de semana (art. 43 do CP).

c) Pena de Multa (art. 49 do CP).

A pena de multa encontra-se prevista no inciso XLVI. alínea c, da Constituição Federal e atualmente regulada pelo art. 49 e seguintes do CP. Trata-se de uma sanção de caráter patrimonial que consiste na entrega de dinheiro ao fundo penitenciário,

Confira a redação do artigo 49 do CP:

  • CP. Art. 49 - A pena de multa consiste no pagamento ao fundo penitenciário da quantia fixada na sentença e calculada em dias-multa. Será, no mínimo, de 10 (dez) e, no máximo, de 360 (trezentos e sessenta) dias-multa.  (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Na definição do ilustre jurista Cezar Roberto Bitencourt: [1]

“A pena de multa consiste na imposição ao condenado da obrigação de pagar ao Fundo Penitenciário determinada quantia em dinheiro, considerando a gravidade do delito, a culpabilidade do agente e, particularmente, sua condição econômica”. (grifo nosso)

Ressalte-se que a multa possui caráter personalíssmo, o que significa que não pode passar da pessoa do condenado, não se transmitindo portanto aos herdeiros e sucessores, independentemente dos limites da herança. Nessa linha, o ilustre Luiz Regis Prado “a multa, em matéria penal, é rigorosamente pessoal, não se transmitindo aos herdeiros do réu ou a terceiros, pois a ideia de pena, que também subsiste na pena de multa, reproduz nela a condição da personalidade”.[2]

Observe-se que o artigo 49 do CP utiliza a expressão genérica “fundo penitenciário”, e não a “Fundo Penitenciário Nacional”, como faz em seu art. 45, § 3º ao referir-se à perda de bens. Assim, no art 49 do CP o legislador permite que os Estados legislem sobre o tema, criando seus próprios fundos, a fim de obter recursos para a construção, reforma e aprimoramento de estabelecimentos prisionais. No Estado de São Paulo, por exemplo, o valor arrecado com a multa será revertido em favor do FUNPESP (Fundo Penitenciário do Estado de São Paulo), regulamentado pela Lei Estadual n. 9.171/95.[3]

O Código Penal, no caput do artigo 50, determina que a multa deve ser paga dentro de dez dias depois de transitada em julgado a sentença. Confira:

  • CP. Art. 50 - A multa deve ser paga dentro de 10 (dez) dias depois de transitada em julgado a sentença. A requerimento do condenado e conforme as circunstâncias, o juiz pode permitir que o pagamento se realize em parcelas mensais.

2. A MULTA COMO DÍVIDA DE VALOR: A NOVA REDAÇÃO DO ART. 51 DO CP

Como vimos, o Código Penal, em seu artigo 32, adotou as seguintes modalidades de pena: a) privativas de liberdade; restritivas de direitos e c) Multa.

Cumpre então indagar: seria possível a conversão da pena de multa em privação de liberdade?

O artigo 51 do CP, na redação dada pela Lei n. Lei n. 7.209/84, estabelecia o seguinte:

  • CP. Art. 51. A multa converte-se em pena de detenção, quando o condenado solvente deixa de paga-lá ou frustra a sua execução. § 1º - Na conversão, a cada dia-multa corresponderá um dia de detenção, não podendo esta ser superior a um ano. § 2º - A conversão fica sem efeito se, a qualquer tempo, é paga a multa.

Como se vê, a multa convertia-se em detenção quando o condenado solvente deixava de pagá-la ou frustrava a sua execução. Na conversão, cada dia-multa correspondia a um dia de detenção. Se a multa era paga, a qualquer tempo, ficava sem efeito a conversão. Na conversão da multa em detenção, esta não podia exceder um ano (art. 51, § 1º, do CP).[4]

Este dispositivo foi revogado pela Lei n. 9.268 de 1996, ganhando a seguinte redação:

  • CP. Art. 51 - Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será considerada dívida de valor, aplicando-se-lhes as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição. (Redação dada pela Lei nº 9.268, de 1º.4.1996)

Perceba que, com a nova redação dada ao art. 51, já não se pode falar em conversão da pena de multa em privação de liberdade. O Código Penal passou a considerar a multa criminal como dívida de valor.

A nova redação deste artigo, ao considerar a multa como dívida de valor, provocou duas consequências:[5]

1) Proibiu a conversão de pena de multa em detenção, no caso de inadimplemento. Damásio E. de Jesus destaca o seguinte: “já havíamos sugerido a extinção da conversão, como ocorre no Canadá e em outros países. Fundamento: o não pagamento da multa atuava, muitas vezes, como fato mais grave do que o delito cometido pelo condenado. Em alguns casos, para o crime a multa era suficiente; para o inadimplemento, impunha-se a resposta penal de maior gravidade, qual seja, a pena privativa de liberdade”. Direito penal, cit., 23. ed., v. 1, p. 544.

2) Modificou o procedimento relativo à execução da pena de multa, afastando a incidência das normas da Lei de Execução Penal (arts. 164 e s.).

3. A CONTROVÉRSIA SOBRE COMPETÊNCIA PARA A EXECUÇÃO DA PENA DE MULTA: CRIAÇÃO DA SÚMULA 521 DO STJ

Como vimos, a Lei n. 9.268/96 deu nova redação ao art. 51 do CP, que passou a afirmar que passou a considerá-la dívida de valor, aplicando-se-lhes as normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública.

Neste cenário, surgiu a seguinte indagação: a atribuição para executar a pena de multa não paga continuaria sendo do Ministério Público ou passaria a ser da Fazenda Pública, por intermédio do Procurador da Fazenda?

Em outras palavras: qual o juízo competente para promover a execução da pena de multa imposta em decorrência de processo criminal, a Vara das Execuções Criminais ou a Vara da Fazenda Pública? É que examinaremos a seguir.

Duas correntes se formaram:

Uma primeira corrente sustentava que a multa decorrente de condenação criminal, mesmo após o trânsito em julgado da sentença condenatória, não perde seu caráter penal. Sendo assim, a legitimidade ativa seria do Ministério Público, que nos termos do art. 129, I, da CF, é o titular da ação penal. Sendo assim, caberia ao Ministério Público promover a execução da pena de multa não paga, perante o Juízo das Execuções Penais. Para essa corrente,

Uma segunda corrente, em sentido contrário, passou a sustentar que a legitimidade para promover a execução seria da Fazenda Pública, e não do Ministério Público. Isso porque, com o advento da Lei n. 9.268/96, a multa criminal passou a ser considerada dívida de valor, de caráter extrapenal, devendo ser cobrada por meio de execução fiscal, como dívida ativa da Fazenda Pública pela Procuradoria da Fazenda, e não pelo representante do Ministério Público.

Seguindo este entendimento, a jurisprudência do Superior Tribunal de justiça firmou-se no sentido de que “compete ao Juízo da Execução Penal determinar a intimação do condenado para realizar o pagamento da pena de multa, a teor do que dispõe o art. 50 do CP; e, acaso ocorra o inadimplemento da referida obrigação, o fato deve ser comunicado à Fazenda Pública a fim de que ajuíze a execução fiscal no foro competente, de acordo com as normas da Lei n.6.830/80, porquanto, a Lei n. 9.268/96, ao alterar a redação do art. 51 do CP , afastou a titularidade do Ministério Público”. [6] Esta orientação culminou na publicação da Súmula 521 em 06 de abril de 2015. Verbis:

  • Súmula 521: A legitimidade para a execução fiscal de multa pendente de pagamento imposta em sentença condenatória é exclusiva da Procuradoria da Fazenda Pública.

Assim, embora a multa ainda possua natureza de sanção penal, consoante expressa determinação legislativa, após o trânsito em julgado da sentença condenatória, a sanção pecuniária passa a ser considerada dívida de valor, saindo da esfera de atuação do Juízo da Execução Penal, e se tornando responsabilidade da Fazenda Pública, que poderá ou não executá-la, de acordo com os patamares que considere relevante. Conclui-se, portanto, que o Ministério Público perdeu a legitimidade para propor a execução da pena de multa.

Conforme explicou o ilustre Ministro Joao Otávio de Noronha:[7]

“De fato, após a edição da Lei n. 9.268/96, compete ao Juízo de Execução Penal apenas a intimação do condenado para realizar o pagamento da multa. O não-pagamento da prestação pecuniária gera dívida de valor, de caráter extrapenal, que deve ser inscrita como dívida ativa e executada pela Fazenda Pública. A sua execução é regulada pela Lei de Execuções Fiscais (Lei n. 6.830/80).” (grifos nossos)

A respeito da nova sistemática, Carlos Vico Mañas, Sérgio Mazina Martins e Tatiana Viggiani Bicudo assim expõe:[8]

Uma vez transitada em julgado a condenação, o juízo da execução deve liquidar o valor da multa e notificar o devedor para seu pagamento em até dez dias, sob as penas legais, nesse prazo poderá o devedor comparecer perante o juízo da execução e pagar seu débito ou, ainda, postular seu pagamento em parcelas ou mesmo justificar o não pagamento pela comprovação de sua inadimplência. Apenas quando o devedor quedar-se em silêncio após esses dez dias é que o juízo da execução deverá extrair certidão do débito, a ser então encaminhada à Procuradoria da Fazenda”.

Confira também as lições de René Ariel Dotti:[9]

“A orientação de que a multa criminal não perde esse caráter, devendo a sua cobrança ser promovida pelo MP cedeu espaço à corrente oposta que sustenta a legitimidade da Fazenda Pública. E o argumento é simples: transitada em julgado a sentença, a multa se converte em dívida de valor e passa a sua execução a ser regulada ‘pelas normas da legislação relativa à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição’ (CP, art. 51).”

4. COMO É O PROCEDIMENTO PARA EXECUÇÃO DA PENA DE MULTA?

Após o trânsito em julgado da condenação, o juiz da execução criminal deve mandar intimar o sentenciado para pagar a multa no prazo de 10 dias.

Se não houver o pagamento espontâneo, será feita uma certidão circunstanciada sobre a condenação e a multa, que será enviada à Fazenda Pública para eventual execução. A execução da pena de multa, portanto, perde seu caráter penal, devendo o seu valor ser inscrito como dívida ativa do Estado.

Cumpre lembrar que, segundo o art. 39, § 2º, da Lei n. 4.320/64, são dívida ativa não tributária os créditos da Fazenda Pública, “tais como os provenientes de empréstimos compulsórios, contribuições estabelecidas em lei, multas de qualquer origem ou natureza, exceto as tributárias (...)”. Daí se infere que a multa penal constitui dívida ativa não tributária.

É preciso registrar que os prazos prescricionais para a execução da multa, bem como as causas interruptivas e suspensivas da prescrição, passam a ser os previstos na Lei n. 6.830/80 (Lei de Execução Fiscal) e no Código Tributário Nacional. A prescrição, portanto, ocorrerá em 5 anos (CTN, art. 174, caput), e não mais no prazo de dois anos previstos no CP. [10]

Resta uma questão: a execução é de atribuição da Fazenda Nacional ou Estadual? Tal execução compete à Procuradoria da Fazenda Estadual, quando a condenação provier da Justiça Comum, e não à da Fazenda Nacional, a qual só terá atribuição quando a multa penal tiver sido imposta pela Justiça Federal. [11]

5. A EXTINÇÃO DO PROCESSO DE EXECUÇÃO PENAL NA PENDÊNCIA DO PAGAMENTO DA PENA DE MULTA

A esta altura, surge a seguinte indagação: o Juízo da Execução deve extinguir o processo de execução criminal quando na pendência apenas do pagamento da multa?

Imagine que, após o cumprimento integral da pena privativa de liberdade, ainda reste pendente o pagamento da pena de multa. Neste caso, o Juízo da Execução deve extinguir o processo de execução criminal?

No STJ firmou-se o entendimento no sentido de que,”considerando-se a pena de multa como dívida de valor e, consequentemente, tornando-se legitimado a efetuar sua cobrança a Procuradoria da Fazenda Pública, na Vara Fazendária, perde a razão de ser a manutenção do Processo de Execução perante a Vara das Execuções Penais, quando pendente, unicamente, o pagamento desta”.[12] Numa palavra: cumprida a pena privativa de liberdade, deve ser extinta a punibilidade do réu, independentemente do adimplemento da pena de multa.

Conforme destacou o ilustre Ministro Jorge Mussi,“com a conversão da pena de multa em dívida de valor, seu pagamento deve se dar perante o universo fazendário, sendo inviável, a meu ver, manter o processo de execução ativo apenas para o aguardo do desfecho de questão cuja natureza definiu-se como extrapenal”.[13]

O entendimento contrário, ou seja, o de que a punibilidade do réu permaneceria incólume, enquanto não adimplida a multa, vincularia a finalização do procedimento penal à eventual cobrança do valor, pela Fazenda Pública, que - como se sabe - pode deixar de ajuizar a execução para cobrança da dívida ativa, em várias situações. [14]

Ora, não poderia o processo de execução criminal subsistir indefinidamente, sendo desarrazoado que o réu, tendo cumprido a pena privativa de liberdade, fique impossibilitado por exemplo de obter sua reabilitação, após o prazo estabelecido em lei, enquanto não comprovar o pagamento da multa, submetida a procedimento de cobrança cível.

Nessa linha, confira os julgados a seguir colacionados:

“(...) Considerando-se a pena de multa como dívida de valor e,consequentemente, tornando-se legitimado a efetuar sua cobrança aProcuradoria da Fazenda Pública, na Vara Fazendária, perde a razãode ser a manutenção do Processo de Execução perante a Vara dasExecuções Penais, quando pendente, unicamente, o pagamento desta. (...)”STJ - EREsp 845902 RS, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 3ª Seção, DJe 01/02/2011.

“(...) O entendimento deste eg. Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que a pena de multa se converte em dívida de valor com o trânsito em julgado da condenação, devendo ser cobrada como tal. Isso não impede, todavia, a decretação de extinção da punibilidade uma vez cumprida integralmente a pena privativa de liberdade. (...)”STJ - AgRg no REsp 1446216/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 19/03/2015, DJe 26/03/2015

“(...) 1. Embora a multa ainda possua natureza de sanção penal, a nova redação do art. 51, do Código Penal, trazida pela Lei n.9.268/96, determina que após o trânsito em julgado da sentença condenatória, a pena pecuniária deve ser considerada dívida de valor, saindo da esfera de atuação do Juízo da Execução Penal, e se tornando responsabilidade da Fazenda Pública, que poderá ou não executá-la, de acordo com os patamares que considere relevante. 2. O Juízo da Execução, portanto, após o cumprimento integral da pena privativa de liberdade, ainda que pendente o pagamento da pena de multa, deve extinguir o processo de execução criminal que, por óbvio, não pode subsistir indefinidamente em razão da falta de interesse da Fazenda Pública em executar a sanção pecuniária de valor irrisório. (...)” STJ - REsp 832267 RS, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, DJ 14/05/2007.

CONCLUSÃO

O advento da Lei n. 9.268/1996, que deu nova redação do art. 51 do CP, considerou a multa como dívida de valor. Isso provocou duas consequências:

1) Proibiu a conversão de pena de multa em detenção, no caso de inadimplemento.

2) Modificou o procedimento relativo à execução da pena de multa, afastando as normas da LEP

Neste cenário, surgirram as seguintes questões:

a) Qual seria agora a legitimidade para executar pena de multa não adimplida? A execução dessa sanção deve seguir as normas relativas à dívida ativa da Fazenda Pública, devendo ser cobrada por meio de execução fiscal, no juízo especializado para a cobrança da dívida, e não no da vara de execuções penais. Esse entendimento culminou na criação da Súmula 521 do STJ.

b) Como é o procedimento para execução dessa pena de multa? Após o trânsito em julgado da condenação, o juiz da execução criminal deve mandar intimar o sentenciado para pagar a multa no prazo de 10 dias. Se não houver o pagamento espontâneo, será feita uma certidão circunstanciada sobre a condenação e a multa, que será enviada à Fazenda Pública para eventual execução. A execução da pena de multa, portanto, perde seu caráter penal, devendo o seu valor ser inscrito como dívida ativa do Estado.

c) Esta execução será de atribuição da Fazenda Nacional ou Estadual? Compete à Procuradoria da Fazenda Estadual, quando a condenação provier da Justiça Comum, e não à da Fazenda Nacional, a qual só terá atribuição quando a multa penal tiver sido imposta pela Justiça Federal.

d) O prazo prescricional continua regido pelo CP ou passa a ser o do CTN? os prazos prescricionais para a execução da multa, bem como as causas interruptivas e suspensivas da prescrição, passam a ser os previstos na Lei n. 6.830/80 (Lei de Execução Fiscal) e no CTN. A prescrição, portanto, ocorrerá em 5 anos (CTN, art. 174, caput), e não mais no prazo de dois anos previstos no CP.

e) É possível a extinção do processo de execução penal na pendência do pagamento da pena de multa? A resposta é positiva. Assim, cumprida a pena privativa de liberdade, deve ser extinta a punibilidade do réu, independentemente do adimplemento da pena de multa

REFERÊNCIAS

Bitencourt, Cezar Roberto. Código penal comentado. 7ª ed., São Paulo: Saraiva, 2012.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal – parte geral. Vol. 1. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

DOTTI, René Ariel Dotti. Curso de Direito Penal – parte geral. 2ª ed. rev., atual. e ampl. Rio de janeiro: Forense, 2004, p. 597

ESTEFAM, André; GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito Penal Esquematizado-Parte Geral. 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2012, p. 523;

JESUS, Damásio de. Multa Penal: Superior Tribunal de Justiça firma posição sobre competência e atribuição para a sua execução. Abril/2001. Disponível em: http://www.bu.ufsc.br/MultaPenal.pdf Acesso em 19/04/2015.

MAÑAS, Carlos Vico; MARTINS, Sérgio Mazina e BICUDO, Tatiana Viggiani. Código de Processo Penal e sua Interpretação Jurisprudencial. Coordenação: Alberto Silva Franco e Rui Stoco. 2. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 685.

PRADO, luiz Regls. Comentários ao Código Penal, 4ª ed. São Paulo:Revista dos Tribunais, 2007.


[1] Cf. Bitencourt, Cezar Roberto. Código penal comentado. 7ª ed., São Paulo: Saraiva, 2012, p. 329.

[2] Cf. PRADO, luiz Regls. Comentários ao Código Penal, 4ª ed. São Paulo:Revista dos Tribunais, 2007, p. 232.

[3] Cf., na mesma linha: ESTEFAM, André; GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito Penal Esquematizado-

Parte Geral. 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2012, p. 523;

[4] Cf. CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal – parte geral. Vol. 1. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 461

[5] Cf., nessa mesma linha: EREsp 699286 SP, Rel. Min. Nilson Naves, 3ª Seção, DJe 13/05/2010

[6] Cf. STJ - REsp 832.267, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, DJ 14/05/2007; STJ - REsp 1166866 MS, Rel. Min. Assusete Magalhães, 6ª Turma, DJe 18/09/2013.

[7] Cf. STJ – Voto proferido pelo Ministro Joao Otávio de Noronha no REsp 286889 SP, 2ª Turma, DJ 01/02/2006.

[8] Cf. MAÑAS, Carlos Vico; MARTINS, Sérgio Mazina e BICUDO, Tatiana Viggiani. Código de Processo Penal e sua Interpretação Jurisprudencial. Coordenação: Alberto Silva Franco e Rui Stoco. 2. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 685.

[9] Cf. DOTTI, René Ariel Dotti. Curso de Direito Penal – parte geral. 2ª ed. rev., atual. e ampl. Rio de janeiro: Forense, 2004, p. 597

[10] Cf. CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal – parte geral. Vol. 1. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 464.

[11] Cf. Confl. de Atrib. n. 105, Paraíba, 1ª Seção, Rel. Min. Eliana Calmon, DJU, 5/3/2001, in JESUS, Damásio de. Multa Penal: Superior Tribunal de Justiça firma posição sobre competência e atribuição para a sua execução. Abril/2001. Disponível em: http://www.bu.ufsc.br/MultaPenal.pdf Acesso em 19/04/2015.

[12] STJ - EREsp 845.902/RS, Rel. Ministra Maria Thereza De Assis Moura, 3ª Seção, DJe de 01/02/2011.

[13] Cf. STJ - REsp 1519736 SP, Rel. Min. JORGE MUSSI, DJ 13/04/2015.

[14] Cf. STJ - REsp: 1166866 MS, Rel. Min. Assusete Magalhães, 6ª Turma, DJe 18/09/2013.

ATUALIZAÇÃO N. 11: Superação da Súmula 470 do STJ

A legitimidade ativa do Ministério Público para defender beneficiários do DPVAT: queda da Súmula 470 do STJ

Sumário: O que é o seguro DPVAT? 2. A jurisprudência fixada na Súmula 470 do STJ. 3. A superação da Súmula 470 do STJ. Conclusão. Notas. Referências.

Resumo: A Súmula 470/STJ afirma o seguinte: “O Ministério Público não tem legitimidade para pleitear, em ação civil pública, a indenização decorrente do DPVAT em benefício do segurado”. Esta Súmula restou superada em razão da nova orientação firmada pelo Plenário do STF no RE 631111 GO, julgado em setembro de 2014. Neste artigo, nos dedicaremos a esclarecer os fundamentos do novo entendimento do STFa respeito da matéria.

1. O QUE É O SEGURO DPVAT?

Criado na década de 70, o Seguro Obrigatório de Danos Pessoais causados por veículos automotores de via terrestre (DPVAT) tem a finalidade de amparar as vítimas de acidentes de trânsito em todo o território nacional, não importando de quem seja a culpa dos acidentes. O seguro é útil em vários tipos de acidente e até pedestres têm direito a usá-lo. [1]

O DPVAT é um seguro de contratação obrigatória - por força da Lei 6.194/1974 - para toda a população que utiliza veículos automotores e vincula apenas a empresa de seguro e o segurado. Trata-se de uma relação de natureza particular e disponível, pois vincula apenas a empresa de seguro e o segurado. Tanto é assim que, na ocorrência de um sinistro, o beneficiário pode deixar de requerer a cobertura ou dela dispor como bem entender.

2. A JURISPRUDÊNCIA FIXADA NA SÚMULA 470 DO STJ.

A jurisprudência do STJ se firmou o entendimento de que o fato da contratação do seguro ser obrigatória e atingir a parte da população que se utiliza de veículos automotores não lhe confere a característica de indivisibilidade e indisponibilidade, nem sequer lhe atribui a condição de interesse de relevância social a ponto de torná-la defensável via da ação coletiva proposta pelo Ministério Público.

Em outras palavras, faltaria ao Ministério Público legitimidade para pleitear em juízo o recebimento pelos particulares contratantes do DPVAT de complementação de indenização na hipótese de ocorrência de sinistro, visto que se trataria de direitos individuais particulares e disponíveis, cuja defesa seria própria da advocacia.[2]

Este entendimento deu origem ao enunciado sumular n. 470 do STF em 2010. Verbis:

  • Súmula 470: O Ministério Público não tem legitimidade para pleitear, em ação civil pública, a indenização decorrente do DPVAT em benefício do segurado.

3. A SUPERAÇÃO DA SÚMULA 470 DO STJ

A Súmula 470 do STJ restou SUPERADA em virtude do entendimento firmado pelo Plenário do STF no RE 631111 GO, julgado em 6 e 7.8.2014. O caso concreto cuidava de seguradora que, por cerca de 20 anos, teria pago o prêmio do seguro DPVAT a menor, atingindo extenso grupo de pessoas. O Colegiado entendeu que, no caso em tela, a demanda referia-se a direitos individuais homogêneos – isto é, um conjunto de direitos subjetivos individuais, divisíveis, com titulares identificados ou identificáveis, assemelhados por um núcleo de homogeneidade.

Conforme explicou o eminente Ministro Teori Zavascki:

“O núcleo de homogeneidade dos direitos homogêneos é formado por três elementos das normas jurídicas concretas neles subjacentes: os relacionados com (a) a existência da obrigação (an debeatur = ser devido), (b) a natureza da prestação devida (quid debeatur = o que é devido) e (c) o sujeito passivo (quis debeat = quem deve) comum. A identidade do sujeito ativo (cui debeatur = a quem é devido) e a sua específica vinculação com a relação jurídica, inclusive no que diz respeito ao quantum debeatur (= quantidade devida), se for o caso, são elementos pertencentes a um domínio marginal, formado pelas partes diferenciadas e acidentais dos direitos homogêneos, a sua margem de heterogeneidade.”

A respeito dos direitos individuais homogêneos, o Ministro destacou seguinte:

“(...) os direitos individuais homogêneos são, simplesmente, direitos subjetivos individuais. A qualificação de homogêneos não altera nem pode desvirtuar essa sua natureza. O qualificativo é destinado a identificar um conjunto de direitos subjetivos individuais ligados entre si por uma relação de afinidade, de semelhança, de homogeneidade, o que propicia, embora não imponha, a defesa coletiva de todos eles. Para fins de tutela jurisdicional coletiva, não faz sentido, portanto, sua versão singular (um único direito homogêneo), já que a marca da homogeneidade supõe, necessariamente, uma relação de referência com outros direitos individuais assemelhados. Há, é certo, nessa compreensão, uma pluralidade de titulares, como ocorre nos direitos transindividuais; porém, diferentemente destes (que são indivisíveis e seus titulares são indeterminados), a pluralidade, nos direitos individuais homogêneos, não é somente dos sujeitos (que são indivíduos determinados ou pelo menos determináveis), mas também do objeto material, que é divisível e pode ser decomposto em unidades autônomas, com titularidade própria (e, por isso, suscetíveis também de tutela individual). Não se trata, pois, de uma nova espécie de direito material. Os direitos individuais homogêneos são, em verdade, aqueles mesmos direitos comuns ou afins de que trata o art. 46 do CPC (nomeadamente em seus incisos II e IV), cuja coletivização tem um sentido meramente instrumental, como estratégia para permitir sua mais efetiva tutela em juízo. (...) Quando se fala, pois, em “defesa coletiva” ou em “tutela coletiva” de direitos homogêneos, o que se está qualificando como coletivo não é o direito material tutelado, mas sim o modo de tutelá-lo, o instrumento de sua tutela.”

Os direitos individuais homogêneos podem ser tutelados em juízo pelo próprio titular individual. Não sendo ação promovida pelo próprio titular do direito, a legitimação para a ação coletiva há de ser autorizada em prescrição normativa específica (CPC, art. 6º).

O art. 129, III, da CF refere-se a “interesses difusos e coletivos”. Por sua vez, o art. 127 da CF atribui ao Ministério Público incumbência de defender “interesses sociais”. Confira:

  • CF/88. Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: ... III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.
  • CF/88. Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

Neste cenário, surge a seguinte indagação: a circunstância de serem homogêneos, e, como tais, aptos a serem tutelados judicialmente em forma coletiva, seria razão suficiente para considerar os direitos individuais como “interesses sociais” e, assim, conferir ao Ministério Público legitimidade para defendê-los em juízo?

Inicialmente, é preciso destacar que há certos interesses individuais – de pessoas privadas ou de pessoas públicas – que, quando visualizados em seu conjunto, em forma coletiva e impessoal, têm a força de transcender a esfera de interesses puramente individuais e passar a representar, mais que a soma de interesses dos respectivos titulares, verdadeiros interesses da comunidade em seu todo. É o que ocorre com os direitos individuais homogêneos.[3]

Nesses casos, considerando que a tutela dos direitos individuais é pressuposto para a tutela do interesse social subjacente, a legitimação do Ministério Público para defendê-los é inegável, independentemente de previsão normativa ordinária, pois que albergada no art. 127 do texto constitucional.

Dito de outro modo: a legitimidade do Ministério Público para tutelar em juízo direitos individuais homogêneos se configura porque a lesão a esses direitos compromete também interesses sociais, com assento no art. 127 da CF. Portanto, o próprio Ministério Público, independentemente de lei específica, pode, no exercício de suas funções institucionais, identificar situações em que a ofensa a direitos homogêneos compromete também interesses sociais.

Em suma, os direitos individuais homogêneos são suscetíveis de: a) tutela pelos próprios titulares, em ações individuais, ou b) de tutela coletiva, mediante ação civil coletiva, promovida em regime de substituição processual. Essa possibilidade de defesa de direitos individuais homogêneos por ação civil coletiva ocorre por razões de facilitação de acesso à justiça, pela priorização da eficiência e da economia processuais.[4]

Vale lembrar que as normas processuais e procedimentais que disciplinam a ação civil coletiva em defesa do consumidor (artigos 91 a 100 do CDC da Lei 8.078/90) aplicam-se, por analogia, no que couber, às demais hipóteses de tutela coletiva de direitos individuais homogêneos.[5]

Retomemos agora o caso concreto julgado pelo Plenário do STF por ocasião do julgamento do RE 631111 GO: tratava-se de seguradora que, por cerca de 20 anos, teria pago o prêmio do seguro DPVAT a menor, a atingir extenso grupo de pessoas que seriam, geralmente, hipossuficientes, razão pela qual o Colegiado entendeu haver interesse social a legitimar a atuação do Ministério Público.

Com efeito, o Plenário do STF firmou o entendimento de que a tutela dos direitos e interesses de beneficiários do seguro DPVAT , nos casos de indenização paga, pela seguradora, em valor inferior ao determinado no art. 3º da Lei 6.914/1974, reveste-se de natureza social (interesse social qualificado), de modo a conferir legitimidade ativa ao Ministério Público para defendê-los em juízo mediante ação civil coletiva, com base no art. 127 da Constituição.

CONCLUSÃO

Segundo o STF, o MP pode pleitear, em ACP, a indenização decorrente do DPVAT em benefício do segurado, pois trata-se de demanda referente a direitos individuais homogêneos.

Ora, esta legitimidade do MP para tutelar em juízo direitos individuais homogêneos se configura independe de previsão normativa ordinária, pois a lesão a tais direitos compromete também interesses sociais, com base no art. 127 da CF (que atribui ao MP a incumbência de defender “interesses sociais”).

A Súmula 470/STJ restou superada em razão dessa nova orientação do STF, que teve por base o seguinte caso concreto: Uma seguradora, por cerca de 20 anos, teria pago o prêmio do seguro DPVAT a menor, a atingir extenso grupo de pessoas que seriam, geralmente, hipossuficientes, razão pela qual o Colegiado entendeu haver interesse social a legitimar a atuação do MP.

REFERÊNCIAS

BENJAMIN, Antônio Herman V. A insurreição da aldeia global contra o processo clássico. In MILARÉ, Édis (coord). Ação Civil Pública: Lei 7.347/85 – Reminiscências e reflexões após dez anos de aplicação. SP: RT, 1995, p. 96.


[1] Disponível em: <http://www.stj.jus.br> Acesso em 29/03/2013.

[2] Cf., nesse sentido, dentre outros, o Voto do Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, no REsp 858056 GO, 2ª Seção, DJe 04/08/2008.

[3] Cf., nessa linha, o Voto do Ministro TEORI ZAVASCKI no RE 631111 GO, Tribunal Pleno, DJe 30/10/2014

[4] Cf., nessa mesma linha, BENJAMIN afirma que os direitos homogêneos “são, por esta via exclusivamente pragmática, transformados em estruturas moleculares, não como fruto de uma indivisibilidade inerente ou natural (interesses e direitos públicos e difusos) ou da organização ou existência de uma relação jurídica-base (interesses coletivos stricto sensu), mas por razões de facilitação de acesso à justiça, pela priorização da eficiência e da economia processuais” (BENJAMIN, Antônio Herman V. A insurreição da aldeia global contra o processo clássico. In MILARÉ, Édis (coord). Ação Civil Pública: Lei 7.347/85 – Reminiscências e reflexões após dez anos de aplicação. SP: RT, 1995, p. 96 – Citado no Voto do Ministro Teori Zavascki no RE 631111 GO, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 6 e 7.8.2014.

[5] Cf. STJ - Voto do Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, no REsp 858056 GO, 2ª Seção, DJe 04/08/2008.