Este blog foi criado para fornecer as atualizações da obra Direito Sumular STF & STJ, que são periodicamente elaboradas pela autora na forma de artigos jurídicos publicados em diversas revistas e periódicos. Disponibilizaremos também outros trabalhos acadêmicos da autora, bem como matérias, notas e notícias.

Do Prefácio - Ministro Luiz Fux
Ministro do Supremo Tribunal Federal
Professor Titular de Direito Processual da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)



quarta-feira, 15 de abril de 2015

ATUALIZAÇÃO N. 10: Nova Súmula 520 do STJ comentada

Direito da Execução Penal: nova Súmula 520 do STJ proíbe as saídas temporárias automatizadas ou “em bloco”

O presente artigo se destina ao estudo do benefício da saída temporária, de modo a esclarecer os fundamentos da criação da Súmula 520 do STJ, publicada em março de 2015 com a seguinte redação:

  • Súmula 520: O benefício de saída temporária no âmbito da execução penal é ato jurisdicional insuscetível de delegação à autoridade administrativa do estabelecimento prisional.

Sumário: 1. A finalidade da execução penal. 2. Autorização de saída: a permissão de saída e saída temporária. 2.1. Permissão de saída (arts. 120 e 121 da LEP). 2.2. Saída temporária (arts. 122 à 125 da LEP). 3. Vedação da saída temporária automatizada: Súmula 520 do STJ. Conclusão. Notas. Referências.

1. A FINALIDADE DA EXECUÇÃO PENAL

A Lei de Execução Penal traz, em seu artigo 1º, duas ordens de finalidade: a primeira delas é a efetivação das disposições da sentença ou decisão criminal. A segunda é a de “proporcionar condições para harmônica integração social do condenado e do internado”, instrumentalizada por meio da oferta de meios pelos quais os apenados e os submetidos às medidas de segurança possam participar construtivamente da comunhão social. [1]

Confira:

  • LEP. Art. 1º A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado.

A Exposição de Motivos da Lei de Execução Penal determina que as penas e medidas de segurança devem realizar “a proteção dos bens jurídicos e a reincorporação do autor à comunidade” (item 1.5). A LEP aplica, portanto os princípios da Nova Defesa Social. [2]

Criada por Fillipo Grammatica, Adolfo Prins e Marc Ancelé, a Escola da Nova Defesa Social ou Neodefensismo Social trata-se de “um movimento de política criminal humanista fundado na ideia de que a sociedade é apenas defendida à medida que se proporciona a adaptação do condenado ao meio social (teoria ressocializadora)”.[3]

Conforme explica Marc Ancel[4], um dos fundadores do Centro de Estudos da Defesa Social, esta escola prega “uma confiança no destino do homem, uma proteção do ser humano, uma reação contra a repressão cega, uma preocupação de humanizar as instituições penais e de assegurar a recuperação social daquele que se tenha desviado para a delinqüência.”

Na Escola da Nova Defesa Social, de acordo com Mirabete: [5]

“Adotou-se, como assinala Miguel Reale Júnior, outra perspectiva sobre a finalidade da pena, não mais entendida como expiação ou retribuição de culpa, mas como instrumento de ressocialização do condenado, cumprindo que o mesmo seja submetido a tratamento após o estudo de sua personalidade. Esse posicionamento especialmente moderno procura excluir definitivamente a retributividade da sanção penal”.

A respeito do movimento da Defesa Social, Evandro Lins da Silva[6] assim expõe:

“O Movimento de Defesa Social não tem propriamente uma unidade de pensamento, nem está filiado a qualquer escola filosófica. Ele tem uma concepção crítica do fenômeno criminal e o acompanha e estuda nas suas transformações, nas suas causas, nos seus efeitos, entendendo-o como resultado de uma diátese social, que deve ser curada racionalmente, através de uma política que respeite a dignidade da pessoa humana e resguarde os direitos do homem. Ele tem uma posição reformista quanto à atividade punitiva do Estado, que há de ser exercida de modo não dogmático, mas dentro de uma visão abrangente dos conhecimentos humanos. O movimento, como já notamos, repudia o álgido tecnicismo jurídico e, por isso, entende que a lei não é a única fonte do direito, mormente na sua aplicação.”

2. AUTORIZAÇÃO DE SAÍDA: A PERMISSÃO DE SAÍDA E SAÍDA TEMPORÁRIA

De modo a cumprir a finalidade ressocializadora da pena, a Lei de Execução Penal prevê a saída transitória do condenado do estabelecimento penitenciário. Trata-se da chamada autorização de saída, que comporta duas espécies: a) permissão de saída; e b) saída temporária.

2.1. PERMISSÃO DE SAÍDA (arts. 120 e 121 da LEP)

A permissão de saída se funda em razões humanitárias. Trata-se de uma autorização concedida pelo diretor do estabelecimento penal aos presos em regime fechado, semi-aberto e provisório, para saírem do estabelecimento prisional, mediante escolta, pelo tempo de duração necessário quando ocorrer um dos seguintes fatos: falecimento ou doença grave do cônjuge, companheira, ascendente, descendente ou irmão; ou, para tratamento médico.

O benefício da permissão de saída encontra-se disciplinado nos arts. 120 e 121 da LEP. Verbis:

  • LEP. Art. 120. Os condenados que cumprem pena em regime fechado ou semi-aberto e os presos provisórios poderão obter permissão para sair do estabelecimento, mediante escolta, quando ocorrer um dos seguintes fatos:I - falecimento ou doença grave do cônjuge, companheira, ascendente, descendente ou irmão; II - necessidade de tratamento médico (parágrafo único do artigo 14). Parágrafo único. A permissão de saída será concedida pelo diretor do estabelecimento onde se encontra o preso.
  • LEP. Art. 121. A permanência do preso fora do estabelecimento terá a duração necessária à finalidade da saída.

2.2. SAÍDA TEMPORÁRIA (arts. 122 à 125 da LEP)

A saída temporária tem por objetivo a ressocialização do condenado, permitindo sua gradativa reintegração social. Trata-se de uma autorização concedida pelo juiz da execução penal apenas aos condenados que cumprem pena em regime semi-aberto.

A doutrina é pacífica em considerá-la uma medida muito benéfica para a ressocialização dos presos. Abordando o tema Júlio Fabbrini Mirabete assim expôs:[7]

“As saídas temporárias servem para estimular o preso a observar boa conduta e, sobretudo, para fazer-lhe adquirir um sentido mais profundo de sua própria responsabilidade, influindo favoravelmente sobre sua psicologia. Sua maior justificação dogmática, segundo René Ariel Dotti, está em preparar adequadamente o retorno à liberdade e reduzir o caráter e confinamento absoluto da pena privativa de liberdade, caracterizando uma etapa da forma progressiva de execução e podem ser consideradas como a sala de espera do livramento condicional. A opinião doutrinária é unânime em considerá-las como muito benéficas para a ressocialização dos presos, e a resolução aprovada pelo 1° Congresso Internacional de defesa social, celebrado em San Remo (Itália), preconizou: As permissões de saída e as visitas externas devem conceder-se aos presos sempre que estas medidas não representem perigo para a sociedade e sejam proveitosas para sua reabilitação. Constituem,assim, verdadeiro meio de prova que permite verificar se o condenado alcançou um grau de resistência que lhe permite vencer as tentações da vida livre e um sentido de responsabilidade suficiente para não faltar á confiança que lhe foi depositada ao se lhe deferir o benefício.”

E continua o ilustre jurista:

“Em outros países, as saídas temporárias têm levado a resultados promissores em relação à reintegração social dos condenados. Entre os anos de 1979 e 1981, na Espanha, de um total de 14.304 beneficiados com a medida apenas 755 não retornaram ao estabelecimento em virtude de fuga. Na França, a taxa de fuga tem sido de 1,81%,na Suécia, de 5% e na Itália, de 2%. Comprovada está a oportunidade da inserção da medida na lei pátria, mas seu sucesso depende sempre da concessão criteriosa da autorização, que somente deve ser deferida ao condenado que demonstra compatibilidade com a liberdade decorrente da saída temporária.”

a) HIPÓTESES DE SAÍDA TEMPORÁRIA:

Através da autorização de saída temporária, os condenados podem sair temporariamente do presídio sem vigilância direta com o intuito de: a) visitarem a família; b) frequentarem curso supletivo profissionalizante, de ensino médio ou superior; ou c) participar de outras atividades que concorram para o retorno ao convívio social.

Confira:

  • LEP. Art. 122. Os condenados que cumprem pena em regime semi-aberto poderão obter autorização para saída temporária do estabelecimento, sem vigilância direta, nos seguintes casos: I - visita à família; II - frequência a curso supletivo profissionalizante, bem como de instrução do 2º grau ou superior, na Comarca do Juízo da Execução; III - participação em atividades que concorram para o retorno ao convívio social. Parágrafo único.  A ausência de vigilância direta não impede a utilização de equipamento de monitoração eletrônica pelo condenado, quando assim determinar o juiz da execução. (Incluído pela Lei nº 12.258, de 2010)

b) REQUISITOS:

O ingresso no regime semi-aberto não dá direito subjetivo ao réu de obter o benefício da saída temporária. Nesse sentido, a 2ª Turma do STF firmou a seguinte orientação: “O ingresso no regime prisional semi-aberto é apenas um pressuposto que pode, eventualmente, legitimar a concessão de autorizações de saídas em qualquer de suas modalidades, permissão de saída ou saída temporária, mas não garante, necessariamente, o direito subjetivo de obtenção dessas benesses”.[8]

Ora, a obtenção do benefício dependerá, ainda, do cumprimento dos demais requisitos objetivos e subjetivos, elencados no artigo 123 da LEP:

  • LEP. Art. 123. A autorização será concedida por ato motivado do Juiz da execução, ouvidos o Ministério Público e a administração penitenciária e dependerá da satisfação dos seguintes requisitos:
    I - comportamento adequado;
    II - cumprimento mínimo de 1/6 (um sexto) da pena, se o condenado for primário, e 1/4 (um quarto), se reincidente;
    III - compatibilidade do benefício com os objetivos da pena.

Como se vê, estando o condenado em regime semi-aberto – pressuposto indispensável para a saída temporária - , o prazo a que se refere o art. 123, inc. II, é o da pena cumprida anteriormente ao pedido, sem qualquer consideração quanto ao regime de cumprimento. Deve-se computar, assim, também o tempo em que o condenado cumpriu pena no regime fechado.[9] Nesse sentido é o enunciado da Súmula 40 do STJ: “Para obtenção dos benefícios de saída temporária e trabalho externo, considera-se o tempo de cumprimento da pena no regime fechado.”

Vale dizer: a Súmula 40 do STJ foi criada para esclarecer que, para o cumprimento da exigência prevista no art. 123, II, da LEP, deve-se computar o tempo de cumprimento da pena no regime fechado.

c) PRAZO:

Diferentemente da permissão de saída, que possui a duração necessária à sua finalidade, a saída temporária é concedida por prazo não superior a 7 dias, renováveis por 4 vezes durante o ano, salvo quando se tratar de saída que tenha a finalidade de frequência em curso profissionalizante.

Esta regra encontra-se encartada no art. 124 da LEP, verbis:

  • LEP. Art. 124. A autorização será concedida por prazo não superior a 7 (sete) dias, podendo ser renovada por mais 4 (quatro) vezes durante o ano. § 1º Ao conceder a saída temporária, o juiz imporá ao beneficiário as seguintes condições, entre outras que entender compatíveis com as circunstâncias do caso e a situação pessoal do condenado: I - fornecimento do endereço onde reside a família a ser visitada ou onde poderá ser encontrado durante o gozo do benefício; II - recolhimento à residência visitada, no período noturno; III - proibição de frequentar bares, casas noturnas e estabelecimentos congêneres.§ 2º Quando se tratar de frequência a curso profissionalizante, de instrução de ensino médio ou superior, o tempo de saída será o necessário para o cumprimento das atividades discentes. § 3º Nos demais casos, as autorizações de saída somente poderão ser concedidas com prazo mínimo de 45 (quarenta e cinco) dias de intervalo entre uma e outra.

d) COMPETÊNCIA:

Conforme estabelece o art. 123 da LEP, autorização para saída temporária “será concedida por ato motivado do juiz da execução, ouvidos o Ministério Público e a administração penitenciária”.

Perceba que, enquanto a permissão de saída é concedida diretamente pelo Diretor do estabelecimento (e é feita mediante escolta), na saída temporária não há vigilância direta sobre o apenado. Justamente em razão disso, a saída temporária deve ter cunho jurisdicional, ou seja, a competência para conceder a saída temporária é do juiz da execução.

Para a concessão do benefício, deverá ser ouvido o representante do Ministério Público e a autoridade penitenciária, que irão opinar pela existência ou não dos requisitos objetivos e subjetivos previstos no art. 123 da LEP.

e) REVOGAÇÃO E RECUPERAÇÃO DO DIREITO APÓS TER SIDO REVOGADO

A revogação e a recuperação do direito à saída temporária encontram-se disciplinadas no art. 125 da LEP, verbis:

  • LEP. Art. 125. O benefício será automaticamente revogado quando o condenado praticar fato definido como crime doloso, for punido por falta grave, desatender as condições impostas na autorização ou revelar baixo grau de aproveitamento do curso.
    Parágrafo único. A recuperação do direito à saída temporária dependerá da absolvição no processo penal, do cancelamento da punição disciplinar ou da demonstração do merecimento do condenado.

Conforme se depreende do aludido dispositivo, o benefício da saída temporária será automaticamente revogado quando o condenado:

a) praticar fato definido como crime doloso

b) for punido por falta grave

c) desatender as condições impostas na autorização; ou

d) revelar baixo grau de aproveitamento do curso.

Como explica Júlio Fabbrini Mirabete: “A revogação é automática, ou seja, deve ser decretada pelo juiz ao simples conhecimento da ocorrência da causa de revogação, sem necessidade de se ouvir o condenado. Justifica-se a determinação porque se preveem, em seguida as hipóteses de recuperação do benefício nas diversas espécies de saída temporária”.

No parágrafo único do art. 125, a LEP prevê que a recuperação do direito à saída temporária dependerá:

a) da absolvição no processo penal

b) do cancelamento da punição disciplinar; ou

c) da demonstração do merecimento do condenado

3. VEDAÇÃO DA SAÍDA TEMPORÁRIA AUTOMATIZADA: SÚMULA 520 DO STJ

Como vimos, a saída temporária baseia-se na confiança (não há vigilância direta sobre o apenado) e no objetivo de ressocializar o apenado, devendo ser concedida por ato motivado do juiz das execuções, ouvidos o Ministério Público e a administração penitenciária.

Assim, para a concessão da saída temporária, o juiz deverá ouvir o representante do Ministério Público e a autoridade penitenciária, que irão opinar pela existência ou não dos requisitos objetivos e subjetivos previstos no art. 123 da LEP. Se estiverem preenchidos os requisitos, concede-se então o benefício da saída temporária ao condenado.

Grandes controvérsias surgiram a respeito da seguinte questão: seria possível, após o juiz ter concedido uma saída temporária para o condenado, serem concedidas novas saídas temporárias automaticamente pela direção do Presídio, sem a avaliação do Juízo da Execução e oitiva do Ministério Público?

Esse procedimento simplificado recebeu o nome de saída temporária automatizada. Alguns julgados consideravam que esse procedimento seria legal, enquanto outros consideravam indevido.

Admitindo a concessão das saídas temporárias automatizadas, confira os seguintes arrestos:

“PRESO - SAÍDAS TEMPORÁRIAS - CRIVO. Uma vez observada a forma alusiva à saída temporária - gênero -, manifestando-se os órgãos técnicos, o Ministério Público e o Juízo da Vara de Execuções, as subsequentes mostram-se consectário legal, descabendo a burocratização a ponto de, a cada uma delas, no máximo de três temporárias, ter-se que formalizar novo processo. A primeira decisão, não vindo o preso a cometer falta grave, respalda as saídas posteriores. Interpretação teleológica da ordem jurídica em vigor consentânea com a organicidade do Direito e, mais do que isso, com princípio básico da República, a direcionar à preservação da dignidade do homem.” STF - HC: 98067 RS, Rel. Min. Marco Aurélio, 1ª Turma, DJe 20/05/2010.

PENAL. EXECUÇÃO. RECURSO ESPECIAL. SAÍDA TEMPORÁRIA. DECISÃO DITA “AUTOMATIZADA”. AUSÊNCIA DE DELEGAÇÃO DO PODER DE APLICAR O DIREITO AO CASO CONCRETO. POSSIBILIDADE, SEMPRE PRESENTE, DO MP PARTICIPAR DA FISCALIZAÇÃO DA EXECUÇÃO. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
I. A “automatização” das saídas não implica abstenção da autoridade judiciária de sua típica função judicante, como também não implica ausência de fiscalização do Ministério Público relativamente à presença das condições que autorizam a própria “automatização”, ou seja: a eficácia temporal da mesma decisão positiva - na prática, incumbirá também à autoridade administrativa, além do Ministério Público, verificar essa necessária permanência dos requisitos propícios à continuidade do benefício.
II. Se as saídas temporárias não são mera faculdade judicial, mas direito subjetivo do condenado, não há, rigorosamente, nenhuma desvantagem da “automatização” relativamente aos fins da pena ou custo da medida para o sistema penal e a tutela social, considerando-se que as condições do benefício mantenham-se inalteradas.
III. Se o deferimento antecipado da medida, e sua consequente reedição automática (“automatização”, ou seja, validade da decisão independentemente de nova manifestação do Poder Judiciário), nas situações em que a autoridade judiciária não observar o descumprimento do inciso I do artigo 123, da lei de Execução Penal (“comportamento adequado”), e desde que inalteradas outras condições pertinentes, sobretudo aquelas contidas no inciso III, do mesmo dispositivo, contemporâneas ao momento em que o benefício foi concedido, não haverá ofensa aos dispositivos da LEP.
IV. A necessidade não é de uma “decisão isolada”, porque isso sim assume indisfarçável aspecto “burocratizante”; o que se deve preservar é a fiscalização permanente “para aferição dos referidos requisitos” e, desde que o Juiz não perca de vista essa necessidade, esvazia-se o sentido da exigência de “decisões isoladas”. V. Recurso especial a que se nega provimento.” STJ – REsp 794602 RS, Rel. Min. Paulo Medina, 6ª Turma, DJe 09/12/2008.

Em sentido contrário, merecem destaque os julgados a seguir colacionados:

RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO PENAL. CONCESSÃO DE SAÍDAS TEMPORÁRIAS. IMPOSSIBILIDADE DE DELEGAÇÃO DE FUNÇÃO JURISDICIONAL AO ADMINISTRADOR DO PRESÍDIO. (...) 1. A autorização das saídas temporárias é ato jurisdicional da competência do Juízo das Execuções Penais, que deve ser motivado com a demonstração da conveniência de cada medida. 2. Não é possível delegar ao administrador do presídio a fiscalização sobre diversas saídas temporárias, autorizadas em única decisão, por se tratar de atribuição exclusiva do magistrado das execuções penais, sujeita à ação fiscalizadora do Parquet. (...)” STJ - REsp 1102482 RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, 5ª Turma, DJe 13/10/2009.

EXECUÇÃO PENAL. RECURSO ESPECIAL. SAÍDAS TEMPORÁRIAS AUTOMÁTICAS. DELEGAÇÃO DE FUNÇÃO JURISDICIONAL AO ADMINISTRADOR DO PRESÍDIO. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1. “A autorização das saídas temporárias é ato jurisdicional da competência do Juízo das Execuções Penais, que deve ser motivado com a demonstração da conveniência da medida” (REsp 1.099.230/RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, Quinta Turma, DJ 13/10/09). 2. Indevida a delegação da competência ao administrador do estabelecimento prisional para autorizar as saídas temporárias e sua renovação automática, sendo o argumento da desburocratização insuficiente para autorizar a modificação da competência. (...)” REsp 1154379 RJ, Arnaldo Esteves Lima, 5ª Turma, DJe 10/05/2010

EXECUÇÃO PENAL. RECURSO ESPECIAL. SAÍDA TEMPORÁRIA AUTOMATIZADA. DELEGAÇÃO DE FUNÇÃO JURISDICIONAL AO ADMINISTRADOR DO PRESÍDIO. IMPOSSIBILIDADE. PRÉVIA OITIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. LEI Nº 7.210/84. Não se admite a concessão automática de saídas temporárias ao condenado que cumpre pena em regime semiaberto, sem a avaliação pelo Juízo da Execução e a manifestação do Ministério Público a respeito da conveniência da medida, sob pena de indevida delegação do exame do pleito à autoridade penitenciária (...). STJ - REsp 1159552 RJ, Rel. Min. Felix Fischer, 5ª Turma, DJe 04/10/2010

O tema foi objeto de muitos debates em nossos tribunais, tendo culminado na edição da Súmula 520 do STJ em março de 2015:

  • Súmula 520: O benefício de saída temporária no âmbito da execução penal é ato jurisdicional insuscetível de delegação à autoridade administrativa do estabelecimento prisional.

De fato, a saída temporária automatizada não é o espírito da Lei de Execução Penal, que ao disciplinar as saídas temporárias no artigo 123 fixa três requisitos para a concessão do benefício, os quais devem ser analisados pelo juiz da execução, com prévia oitiva do Ministério Público e administração penitenciária.[10]

Confira:

  • LEP. Art. 123. A autorização será concedida por ato motivado do Juiz da execução, ouvidos o Ministério Público e a administração penitenciária e dependerá da satisfação dos seguintes requisitos:
    I - comportamento adequado;
    II - cumprimento mínimo de 1/6 (um sexto) da pena, se o condenado for primário, e 1/4 (um quarto), se reincidente;
    III - compatibilidade do benefício com os objetivos da pena.

É de se concluir, portanto, que a delegação da fiscalização das saídas temporárias ao administrador do presídio contraria, de forma flagrante, a vontade da lei. Nas palavras da ilustre Ministra Maria Thereza de Assis Moura:[11]

“Com efeito, a Lei de Execuções Penais, pretendendo uma adequada supervisão do cumprimento da pena, atribui ao órgão jurisdicional, com auxílio do parquet, a análise de cada situação para fins de saídas autorizadas.
Não obstante se poder considerar a prática das saídas automatizadas uma tentativa de se desburocratizar a forma de concessão deste benefício, é importante não se descurar das formalidades legais, as quais dão legitimidade à medida. Assim, a não observância dos artigos 66, inciso IV, e do artigo 123, ambos da Lei 7.210/84, enseja a nulidade da concessão.”

CONCLUSÃO

O benefício da saída temporária, disciplinado nos arts. 122 à 125 da LEP, baseia-se na confiança (não há vigilância direta sobre o apenado) e no objetivo de ressocialização.

Após anos de controvérsias na jurisprudência pátria, o STJ publicou a Súmula 520 para proibir a prática das chamadas “saídas temporárias automatizadas” ou “em bloco”. Isso ocorre na seguinte situação: após o juiz ter concedido uma saída temporária para o condenado, sob o argumento da desburocratização da concessão desse benefício, são concedidas novas saídas temporárias automaticamente pela direção do presídio, sem a avaliação do Juízo da Execução e oitiva do Ministério Público.

O STJ sedimentou o entendimento de que, não obstante se poder considerar a prática das saídas automatizadas uma tentativa de se desburocratizar a forma de concessão deste benefício, é necessário cumprir as formalidades legais, que conferem legitimidade à medida. Assim, a não observância dos artigos 66, inciso IV, e 123, da LEP, ensejará a nulidade da concessão.

Ora, a Lei de Execução Penal, em seu artigo 123, pretendendo uma adequada supervisão do cumprimento da pena, atribui ao juiz das execuções a análise de cada situação de autorização de saída, devendo ser ouvidos o Ministério Público e a administração penitenciária.

Trata-se, portanto, de ato de natureza jurisdicional, ou seja, a concessão da saída temporária é um ato da competência exclusiva do magistrado, que deve ser motivado com a demonstração da conveniência da medida. Sendo assim, não se pode delegar ao administrador do presídio a fiscalização sobre saídas temporárias autorizadas em uma única decisão.

REFERÊNCIAS

MIRABETE, Júlio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Execução Penal. 11ª ed., São Paulo: Atlas, 2004.

MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de Direito Penal - Parte Geral, 17ª edição, São Paulo: Atlas, 2001.

LINS E SILVA, Evandro. De Beccaria a Filippo Gramática. In: ARAÚJO JÚNIOR, João Marcello de. (Org.). Sistema penal para o terceiro milênio: atos do colóquio Marc Ancel. 2 ed. Rio de Janeiro: Revan, 1991.

 

Alice Saldanha Villar

Advogada e autora dos livros “Direito Sumular - STF” e Direito Sumular - STJ”, Editora JHMIZUNO, São Paulo, 2015 - Prefácio do Ministro Luiz Fux.

 


[1] Cf., nessa mesma linha: MIRABETE, Júlio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Execução Penal. 11ª ed., São Paulo: Atlas, 2004, p. 28.

[2] Idem.

[3] Cf. MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de Direito Penal - Parte Geral, 17ª edição, São Paulo: Atlas, 2001, p. 245.

[4] Cf. LINS E SILVA, Evandro. De Beccaria a Filippo Gramática. In: ARAÚJO JÚNIOR, João Marcello de. (Org.). Sistema penal para o terceiro milênio: atos do colóquio Marc Ancel. 2 ed. Rio de Janeiro: Revan, 1991, p 31.

[5] Cf. MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de Direito Penal - Parte Geral, 17ª edição, São Paulo: Atlas, 2001, p. 245.

[6] Cf. LINS E SILVA, Evandro. De Beccaria a Filippo Gramática. In: ARAÚJO JÚNIOR, João Marcello de. (Org.). Sistema penal para o terceiro milênio: atos do colóquio Marc Ancel. 2 ed. Rio de Janeiro: Revan, 1991, p 32.

[7] Cf. MIRABETE, Júlio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Execução Penal. 11ª ed., São Paulo: Atlas, 2004, p. 507.

[8] Cf. HC 102773 RJ, Rel. Min. Ellen Gracie, DJe 10/03/2010

[9] Cf. MIRABETE, Júlio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Execução Penal. 11ª ed., São Paulo: Atlas, 2004, p. 511.

[10] Cf. Voto da Ministra Maria Thereza de Assis Moura no REsp 762453 RS, 6ª Turma, DJe 18/12/2009.

[11] Idem.

Nenhum comentário:

Postar um comentário