Este blog foi criado para fornecer as atualizações da obra Direito Sumular STF & STJ, que são periodicamente elaboradas pela autora na forma de artigos jurídicos publicados em diversas revistas e periódicos. Disponibilizaremos também outros trabalhos acadêmicos da autora, bem como matérias, notas e notícias.

Do Prefácio - Ministro Luiz Fux
Ministro do Supremo Tribunal Federal
Professor Titular de Direito Processual da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)



sexta-feira, 15 de maio de 2015

ATUALIZAÇÃO N. 17: Comprovação da mora nas dívidas garantidas por alienação fiduciária (atualize os comentários à Súmula 72 do STJ)

ARTIGO

A comprovação da mora nas dívidas garantidas por alienação fiduciária: um breve exame das alterações promovidas pela Lei n. 13.043, de novembro de 2014

O advento da Lei n. 13.043 de novembro de 2014 provocou importantes mudanças no Decreto-Lei n. 911/69, que dispõe sobre o processo de alienação fiduciária. Nosso artigo se destina a esclarecer como deve ser feita a comprovação da mora nas dívidas garantidas por alienação fiduciária segundo o novo diploma legal.

Sumário: 1. Definição de alienação fiduciária. 2. A constituição da mora nas dívidas garantidas por alienação fiduciária. 3. Como deve ser feita a comprovação da mora?

1. Definição de alienação fiduciária

A alienação fiduciária pode ser definida como o contrato pelo qual se efetua a transferência da propriedade de um bem móvel ou imóvel do devedor ao credor para garantir o cumprimento de uma obrigação.

Ocorre quando um comprador adquire um bem a crédito. O credor toma o próprio bem em garantia, de forma que o comprador, apesar de ficar impedido de negociar o bem com terceiros, pode dele usufruir. No Brasil, o contrato de alienação fiduciária é muito comum na compra de veículos ou de imóveis.

Na definição de André Luiz Santa Cruz Ramos: [1]

“O contrato de alienação fiduciária em garantia é um contrato instrumental em que uma das partes, em confiança, aliena a outra a propriedade de um determinado bem, móvel ou imóvel, ficando esta parte (uma instituição financeira, em regra) obrigada a devolver àquela o bem que lhe foi alienado quando verificada a ocorrência de determinado fato. Diz-se que é contrato instrumental, porque, em regra, é formalizado como um meio para a concretização de um outro negócio principal. Assim, geralmente está associada a um mútuo, servindo-lhe de garantia.
Exemplificando: se alguém deseja adquirir um veículo automotor, mas não dispõe de recursos para fazer a compra à vista, procura então uma instituição financeira para intermediar seu negócio. Essa instituição financeira empresta-lhe os recursos necessários (mútuo) e a compra é feita. Como garantia do pagamento do empréstimo, transfere-se para a instituição financeira a propriedade resolúvel do bem adquirido, mas o devedor fica, obviamente, na posse do bem. Uma vez satisfeito o empréstimo, a anterior propriedade se resolve e a propriedade plena do bem passa, enfim, a ser do antigo devedor.”

2. A constituição da mora nas dívidas garantidas por alienação fiduciária – a mora ex re

Segundo o disposto no § 2º do art. 2º do DL n. 911/69 - que estabelece normas de processo sôbre alienação fiduciária - nas dívidas garantidas por alienação fiduciária, a mora constitui-se ex re, isto é, a mora decorre automaticamente do vencimento das parcelas assumidas pela parte contrária.

Durante algum tempo, discutiu-se se na notificação prevista no art. 2º, § 2º, do Decreto-Lei n. 911/69 deveria ser explicitado o valor do débito com o demonstrativo da dívida garantida pelo alienante fiduciário, ou se bastaria a referência ao contrato inadimplido.

Instado a se manistar, o STJ afirmou que, na alienação fiduciária a mora constitui-se ex re (decorre do simples vencimento do prazo para pagamento). Por isso mesmo, a notificação serve apenas à comprovação da mora do devedor, exigindo-se, para esse efeito, apenas a referência ao contrato inadimplido. Vale dizer: não é preciso indicar o valor atualizado do débito, não havendo qualquer alusão à essa exigência no DL n. 911/69. Nessa linha foi criada a Súmula 245/STJ (“A notificação destinada a comprovar a mora nas dívidas garantidas por alienação fiduciária dispensa a indicação do valor do débito”).

No entanto, o art. 3º do mesmo diploma legal exige a comprovação da mora para que seja concedida a liminar na ação de busca e apreensão. No mesmo norte, o enunciado sumular n. 72 proclama que “a comprovação da mora é imprescindível à busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente”.

Veja a redação do art. 3º do Decreto-Lei:

  • DL n. 911/69. Art. 3o O proprietário fiduciário ou credor poderá, desde que comprovada a mora, na forma estabelecida pelo § 2o do art. 2o, ou o inadimplemento, requerer contra o devedor ou terceiro a busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente, a qual será concedida liminarmente, podendo ser apreciada em plantão judiciário. (Redação dada pela Lei nº 13.043, de 2014) (grifo nosso)

Assim, se a inicial da ação de busca e apreensão não foi instruída com a comprovação da mora, o pedido será indeferido de imediato, pois o momento processual para a comprovação da mora é no ato de interposição da ação, e não a posteriori.

Idêntico é o entendimento dos doutrinadores, a exemplo de Orlando Gomes:[2]

“Nas dívidas garantidas por alienação fiduciária, a mora constitui-se ex re. Reza, com efeito, a lei que decorrerá do simples vencimento do prazo para pagamento. Aplica--se, por conseguinte, a regra dies interpellat pro homine. Desnecessária, desse modo, a interpelação. Procedeu o legislador corretamente ao dispensá-la, por não justificar a exigência da reclamação do cumprimento nas dívidas líquidas com termo certo. Deve, assim, ser a prestação espontaneamente oferecida pelo devedor, no vencimento, sob pena de incorrer na mora.”

3. Como deve ser feita a comprovação da mora?

Em sua redação original, o § 2º do art. 2º do DL n; 911/69 afirmava que a mora “poderá ser comprovada por carta registada expedida por intermédio de Cartório de Títulos e Documentos ou pelo protesto do título, a critério do credor”.

Vale dizer: a comprovação da mora poderia ser, à escolha do credor: a) em comunicação por carta expedida pelo cartório de títulos e documentos, com a comprovação de seu recebimento pelo devedor; ou b) por protesto do título.

Ocorre que, com o advento da Lei n. 13.043 de 2014, a redação desse dispositivo foi alterada. Confira:

  • DL n. 911/69. Art. 2º (...) § 2o A mora decorrerá do simples vencimento do prazo para pagamento e poderá ser comprovada por carta registrada com aviso de recebimento, não se exigindo que a assinatura constante do referido aviso seja a do próprio destinatário. (Redação dada pela Lei nº 13.043, de 2014) (grifo nosso)

Como se vê, a lei agora afirma que a comprovação da mora seja feita pelo envio de uma simples notificação extrajudicial por via postal, com aviso de recebimento (A.R), para o endereço fornecido pelo devedor – sem a necessidade de movimentar os cartórios.

Além disso, observe que o supracitado dispositivo prevê que, para fins de comprovação da mora, o aviso de recebimento não precisa ter sido assinado pelo próprio destinatário. Conforme afirma o STJ, “é suficiente que a notificação extrajudicial seja entregue no endereço do devedor, ainda que não pessoalmente”. [3]

O escopo da lei, ao exigir a comprovação documental da mora para o ajuizamento da ação de busca e apreensão, é prevenir que o alienante venha a ser surpreendido com a subtração repentina dos bens dados em garantia sem que antes seja cientificado e tenha oportunidade de saldar a divida garantida para retomar-lhes a propriedade plena.[4]

CONCLUSÃO

Nas dívidas garantidas por alienação fiduciária a mora constitui-se ex re, ou seja, decorre automaticamente do vencimento do prazo para pagamento.

Contudo, para o ajuizamento da ação de busca e apreensão do bem alienado fiduciariamente, não basta a mora do devedor, é necessária a comprovação da mora pelo credor (Súmula 72 do STJ). O momento processual para a comprovação da mora é no ato do ajuizamento da ação, sob pena de extinção do processo, sem resolução de mérito.

A lei determina que a comprovação da mora seja feita por carta registrada com AR, não se exigindo que a assinatura constante do referido aviso seja a do próprio destinatário (art. 2º, § 2o do DL n. 911/69, na redação dada pela Lei n. 13.043/2014).

Sendo assim, para comprovar a mora, basta a simples notificação contendo a referência ao contrato inadimplido. Não é preciso indicar o valor atualizado do débito, não havendo qualquer alusão a essa exigência no art. 2º, § 2º, do DL n. 911/69. Nesse sentido temos a Súmula 245 do STJ.

 


[1] Cf. RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito Empresarial Esquematizado. São Paulo: Método,

2011, p. 471-472.

[2] Cf. GOMES, Orlando. Alienação Fiduciária em Garantia, Editora Revista dos Tribunais, 4ª ed., p. 100 – Citado pelo Ministro Costa Leite (Relator) no REsp 37535 RS, Rel. 3ª Turma, DJ 25/10/1993

[3] Cf. STJ - AgRg no AREsp 419667 MS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, DJe 13/05/2014.

[4] Cf. STJ - REsp 16242 SP, Rel. Min. SALVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, 4ª Turma, DJ 21/09/1992.

Nenhum comentário:

Postar um comentário